Folha de S. Paulo


Amiga de Andy Warhol, artista mais conhecida da Argentina fala sobre exposição em SP

Há mais de 50 anos, uma acelerada senhora de cabelos lisos e platinados ("o mais claro do mercado, Koleston 100"), grandes óculos escuros e roupas fluorescentes é figura fácil no eixo Buenos Aires-Nova York-Paris.

Embalada por 40 xícaras diárias de café, a artista pop argentina Marta Minujín, 70, não faz mesmo a menor questão de ser discreta. Do gigantismo de suas obras de arte pública aos tresloucados happenings que protagonizou nos anos 1960, tudo é exagerado -nem no recado da secretária eletrônica ela economiza.

"Após o sinal, deixe sua mensagem...", diz, rouca, com forte sotaque portenho. Três gritos precedem o "bip": "ARTE! ARTE! ARTE!".

Na próxima terça, seu mantra ganhará força nos salões da Galeria Pilar (região central). Ali, a artista inaugura sua primeira exposição individual no Brasil, com 20 obras reunidas.

As seis fotos da série "Pagamento da Dívida Externa Argentina com Milho", em tamanho gigante (1 m x 1 m), prometem ser as principais vedetes.

Nas obras, Marta aparece entre caras e bocas com o amigo Andy Warhol (1928-1987), maior ícone da arte pop americana, em cima de espigas empilhadas num estúdio fotográfico.

É de 1985 a ironia do milharal -"o ouro latinoamericano". "Mas segue atual! A dívida é cada dia pior! É horrível! Uma vergonha!", diz à sãopaulo.

MUITO LOUCOS

A dupla se conheceu em 1966, num daqueles raros casos de amor à primeira vista. "Vivíamos intimamente juntos", conta Marta --que é casada há mais de cinco décadas com um economista argentino.

De braços dados, o amigo pop a levava a "todas as festas possíveis".

"Eram sempre geniais, com todo mundo invariavelmente muito louco."

Nesse clima, circulavam pelo submundo nova-iorquino ao lado de figuras como o surrealista Salvador Dalí (1904-1989), o poeta maldito Allen Ginsberg (1926-1997) e o guru hippie Timothy Leary (1920-1996), que foi expulso de Harvard depois de dar LSD a seus estudantes de psicologia.

"Nova York ficou sem graça depois que Andy morreu", afirma.

OBRAS MONUMENTAIS

Animada com a nova exposição, a setentona conta que esteve diversas vezes em São Paulo. Mas lamenta: "Não lembro de nada, nada, nada".

A primeira vez foi em 1977. Com a performance "Repollos", inaugurou, no Museu de Arte Contemporânea da USP, o que chamaria depois de "arte agrícola". Na ocasião, 20 repolhos foram assinados e entregues aos visitantes como obras de arte.

Folhagens à parte, foram os trabalhos em tamanho GG que a tornaram conhecida -hoje suas obras estão em coleções de brasileiros, italianos e franceses, e no acervo de museus como o Guggenheim, de Nova York.

Em 1978, para a 1ª Bienal Latino-americana de SP, trouxe uma réplica em tamanho real (74 metros) do monumento mais conhecido de Buenos Aires --só que oco e horizontal. No ano seguinte, refez o espigão em sua terra natal --dessa vez na vertical, mas revestido por 10 mil panetones (devidamente devorados por pedestres).

Em 1983, também na capital argentina, aproveitou o fim da ditadura para criar um imenso Partenon (templo grego) recoberto por 20 mil livros, até então proibidos pelo regime. Todos igualmente repartidos entre o povo.

Seu maior trabalho, ela promete, será também o último. Ao vivo por televisão e internet, ela pretende tomar cianureto enquanto põe fogo em suas esculturas. "Eu e minha arte vamos virar cinzas coloridas", diz. "Mas não agora, estou muito ocupada."


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