Folha de S. Paulo


"Walmor Chagas não gostava de improvisar", diz último cineasta que o dirigiu

Quando assistiu "São Paulo, Sociedade Anônima" (Luís Sérgio Person), o cineasta Bernard Attal, 49, decidiu que Walmor Chagas deveria estar em seu primeiro longa, "A Coleção Invisível". Conseguiu o número do telefone do ator por meio de uma amiga e fez o convite, que não foi aceito logo de cara.

Walmor disse que estava sem condições para trabalhar, mas quando soube que o roteiro era inspirado no conto homônimo do austríaco Stefan Zweig --de quem gostava muito--, resolveu ler o texto e se convenceu. A participação curtinha, mas imponente e cativante, como o fazendeiro decadente Samir, rendeu o prêmio, póstumo, de Melhor Ator Coadjuvante no 41º Festival em Gramado.

Confira abaixo a entrevista com o diretor sobre o filme e o último trabalho de Walmor no cinema antes de cometer suicídio, em janeiro de 2013.

sãopaulo - Walmor Chagas protagoniza a cena mais bonita do filme. Houve improvisos?
Bernard Attal - Não. Walmor era um cara do teatro, não gostava de improvisar. Apesar de toda a experiencia que ele tinha, ele topou viajar duas vezes para a Bahia, uma para conhecer o elenco e ensaiar, outra para filmar. Mesmo com toda a experiência que acumulou na carreira, ele tinha uma inquietação artística, o desejo de sempre fazer algo melhor, o que era muito emocionante.

Como foi o convite?
O personagem do colecionador [interpretado por Walmor] foi o último a ser selecionado. Eu tinha assistido "São Paulo, Sociedade Anônima" (Luís Sérgio Person), e fiquei impressionado com a atuação de Walmor. Quando liguei para ele pela primeira vez, ele disse que já não trabalhava mais. Mas ao saber que o filme era inspirado no conto de Stefan Zweig, ele topou ler o roteiro e me ligou falando que tinha gostado. Quando nos encontramos, não me dei conta logo de cara que ele estava quase cego. Como ele ficava o tempo todo no sítio dele, se virava bem sozinho, não precisava de cachorro ou bengala. Depois fui saber que alguém teria lido para ele.

Ele foi receptivo?
Muito. Como esse era o meu primeiro longa, eu disse que eu precisava que ele ensaiasse com o elenco para criar os laços familiares e um esse relacionamento com o protagonista. Muitas vezes quando você trabalha com um ator como Walmor, ele pode intimidar, impressionar demais. Mas ele topou ensaiar, foi lá no verão da Bahia, que é muito quente, e participou do processo. Ele era do tipo de ator que torna o outro melhor. Então todos ficaram à vontade.

Há muitas pausas no longa. Qual a importância desse silêncio?
O filme fala da transformação da vida existencial de um jovem, um processo complicado que exige pausa, distanciamento, reflexão. Não funcionaria tão bem se tivesse muitos diálogos. Há também uma situação de mentira permanente que torna essenciais esses momentos de silêncio.

O que muda no protagonista ao longo da história?
Ele passa por um processo de amadurecimento. Ao longo do filme ele encontra o seu próprio lugar, aprende a lidar com o outro, com situações inesperadas e abre os olhos para o que esta acontecendo ao seu redor.

O que o impressionou em Itajuípe, escolhido para o cenário?
Já tinha escrito o argumento quando fui até lá, em 2007, checar a situação. A região é totalmente arrasada pelo desmatamento e pela devastação da floresta decorrente da praga da "vassoura de bruxa", mas é uma das poucas cidades que preservaram os traços da cultura. A realidade daquele lugar e as histórias das pessoas que moravam lá foram enriquecendo o roteiro, que foi reescrito 10 vezes.

Você acrescentou duas coisas no conto de Stefan Zweig, que inspirou o longa: a busca do protagonista para se encontrar e a presença de mulheres fortes. Por quê?
Mantemos os temas principais como o valor da mentira e a busca da coleção. Mas o conto é pequeno, tem cerca de 10 páginas. Então tivemos que dar mais carne aos personagens, criar conteúdo. Além de adaptar a história para a realidade dessa região, que antes se passava na Alemanha dos anos 1920.

Em uma entrevista você disse que faz filmes para tocar o público.
Não existe uma fórmula, mas buscamos uma linha narrativa que surpreendesse, intrigasse. Algo na linha do cinema argentino, que é muito bom nisso.

"A Coleção Invisível" estreia em um período que os cinemas estão repletos de comédias nacionais. O que acha desse momento?
Nos dois últimos anos, realmente, foram lançadas muitas comédias. Acho que tem o benefício de atrair o público para o cinema nacional, o que é bom. Mas acho também que é preciso ampliar as opções. Um país que tem histórias tão ricas não pode ter só comédia. As pessoas precisam se ver de uma outra forma.

Acredita que o longa tenha apelo para atrair esse público?
Apresentamos o filme em Itajuípe há três semanas na praça pública. Vi três mil pessoas em silêncio. Ninguém saiu da praça. No Festival de Gramado deste ano, o filme ganhou o prêmio de Melhor Filme pelo Júri Popular, além de Melhor Ator Coadjuvante (Walmor Chagas) e Melhor Atriz Coadjuvante (Clarisse Abujamra). Não tenho expectativa de que o filme supere as comédias nas bilheterias, mas acredito que público tem vontade de ver uma coisa diferente, algo que o ajude a entender melhor os valores da vida. Acredito também que a presença do Walmor também atraia, já que é a última participação dele antes de morrer.


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