Folha de S. Paulo


'Compulsivo vive em função do comportamento sexual', diz psiquiatra do HC

"Se a pessoa tem uma vida sexual bem ativa, mas está com tudo sob controle, ok. O compulsivo é o contrário: vive em função do comportamento sexual." A explicação sobre o limite entre normalidade e dependência é de Marco Scanavino, 47, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo.

Responsável pelo Ambulatório de Impulso Sexual Excessivo no instituto, o psiquiatra é o principal autor do estudo que busca evidências científicas acerca da compulsão e formas mais eficazes de tratá-la. Confira a entrevista concedida por ele à sãopaulo:

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sãopaulo - A partir de quando a compulsão passou a ser estudada no país?
Marco Scanavino - Temos poucas pesquisas realizadas em compulsão sexual no Brasil. Estamos fazendo o primeiro estudo empírico de pessoas que buscam tratamento para compulsão sexual aqui no Instituto de Psiquiatria. Começou no final de 2010 e está em andamento.

O que foi analisado na primeira fase do estudo?
Levantamos os diagnósticos psiquiátricos. Um dos aspectos que a literatura trazia era se a orientação homossexual estaria mais associada com a compulsão sexual do que a heterossexual. Em toda a mostra, 72% [dos pacientes] apresentaram algum outro diagnóstico. E, comparando pela orientação sexual, não havia diferença em termos do número de diagnósticos psiquiátricos.

As comorbidades desencadeiam a compulsão?
Não posso afirmar se a ansiedade causa compulsão ou a compulsão causa ansiedade. Não tenho como falar causa e efeito. Pesquisadores americanos, anos atrás, levantaram que em termos de comportamento sexual em geral ansiedade e depressão são prejudiciais. São fatores que diminuem a atividade sexual.

Mas há informações de como as pessoas desenvolvem a compulsão?
Não conseguimos responder a essa pergunta. Mas com certeza a ansiedade e a depressão parecem ligadas à manutenção do comportamento sexual compulsivo. Há estudos que observaram que estado de humor --ansiedade e depressão-- podem ser gatilhos para a busca de sexo.

Há diferença entre homens e mulheres?
A cada oito homens, uma mulher nos procura [no IPq]. Isso bate com os dados de estudos americanos. Menos mulheres procuram ajuda.

Em que faixa etária?
A idade média dos nossos pacientes é de 38 anos. Se pensarmos em termos de faixa etária, são homens dos 30 aos 40 e dos 40 aos 50. É importante entender que as pessoas com compulsão sexual geralmente levam sete anos em média para procurar ajuda. Isso é um dado americano. O comportamento traz um certo alívio e prazer e dificulta identificá-lo como um problema. Então, o indivíduo retarda a chegada ao tratamento.

A demora está relacionada ao comportamento masculino?
Sim. Fica difícil [identificar] porque, às vezes, ele até pensa que está um pouco fora do controle, mas observa comportamento semelhante em amigos.

O que define a compulsão?
Mais aspectos que nos informam acerca da perda de controle sobre o comportamento do que a quantidade do número de relações sexuais. Pesquisas recentes trabalham com o critério de alguém que informa que nos últimos 6 a 12 meses apresentou comportamento sexual repetitivo --pode incluir só masturbação e fantasias--, mas que causa sofrimento ou prejudica áreas da vida dessa pessoa.

O senhor pode citar um exemplo?
Há perfis. Uma parte dos indivíduos basicamente se dedica a masturbação solitária e ao consumo de pornografia na internet. Outro perfil tem muito sexo casual e, às vezes, até sexo com múltiplos parceiros.

Pode citar exemplos de casos em que o sexo atrapalha a vida de uma pessoa?
Um comum é o sujeito casado que cada vez menos fica presente na vida familiar porque está sempre buscando aventuras sexuais. Começa aos poucos a não estar mais presente nas refeições, a chegar mais tarde, a faltar no aniversário do filho... Aos poucos, vai se afastando da família e muitas vezes isso pode acabar numa separação.

Há os outros problemas?
Dívidas. Há pessoas que gastam muito com motel ou prostituição. Outra consequência é ser flagrado pela polícia durante atos sexuais em via pública.


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