Folha de S. Paulo


Filmes de sexo (mudos) substituem clássicos em cinemas de SP

"Você é mulher ou travesti?", pergunta o bilheteiro para a repórter após ela questionar se seria aceita no Cine G, um dos "cinemões" --nome carinhoso dado às salas dedicadas à exibição de filmes pornográficos no centro de São Paulo.

A dúvida dos dois parte da mesma origem: quase não há mulheres na plateia. O público é formado por homens, de jovens a idosos, de engravatados a pessoas com vestes casuais, além de michês e de travestis. E pela reportagem da sãopaulo, que percorreu por dez dias as adjacências das avenidas São João e Ipiranga.

Encontrou cinemas sujos e hostis, que em nada se parecem com a época em que as salas foram construídas.

A região já foi frequentada pela elite paulistana a partir da década de 1940, quando ocorreu a estreia de gala de "Cleópatra", vivida por Elizabeth Taylor, no Cine Windsor, e o conjunto de cinemas ganhou o apelido de Cinelândia Paulistana.

Após a popularização dos aparelhos de televisão, na década de 1960, a área entrou em decadência. O roteiro só evoluiu 50 anos depois: os que não fecharam nem viraram igrejas evangélicas exibem títulos como "Explícito" e "As Mil e Uma Noites Eróticas", produções em que o sexo é o grande protagonista.

Os ingressos custam entre R$ 10 e R$ 14, e as sessões, com exceção do Cine Dom José, não têm horários fixos. Nos fins de semana, também é possível encontrar shows de striptease e sexo explícito.

Apesar das placas indicando a proibição da entrada de menores de idade, nenhum dos estabelecimentos pediu a carteira de identidade de quem passava pelas catracas.

Uma vez dentro, era possível ver a reforma que foi dada aos espaços. O escurinho do cinema se transformou em "dark rooms" --quartos absolutamente escuros onde se transa--, encontrados no Cine G, no Cine República e no Cine Los Angeles.

O Cine Globo possui uma ampla sala de projeção com poltronas de madeira e outras menores, para outras exibições. No dia da visita, prostitutas enchiam o fundo do cinema e conversavam sobre amenidades. Até que uma voz destoou do grupo.

"Adoro casal", berrou Suzy enquanto se aproximava da repórter, que estava acompanhada.

Há oito meses na casa, prometeu realizar "brincadeiras" por R$ 150, em um quarto privativo no andar de cima do estabelecimento.

Por menos de 1% desse preço, cabines privês e individuais em espaços como Cine Arouche e Cinemão SP custam R$ 1 e são compostas de uma TV, um banco e um balde.

Mas existem locais em que a privacidade é coadjuvante, como no Cine Dom José. Lá, sexo e masturbação --atividade unânime nos cinemas-- são praticados nos assentos ou no chão das salas. A maioria do filmes é exibida sem som, potencializando o volume de outras atividades.

Há quem, mesmo com o barulho, entre apenas para dormir. No Cine G, um mendigo cochilava tranquilamente no ambiente que exibia um filme homossexual --as casas dividem as sessões em salas distintas para fitas gays e heterossexuais.

Solitários em geral também comparecem aos "cinemões", como os que assistiam ao jogo Barcelona X Santos na sala de TV que fica no segundo andar do Cine Los Angeles, o mais limpo entre os visitados. Ainda assim, longe de lembrar sala de shopping.

PASSADOS NA PELÍCULA

Quem preferir ver o esplendor dos endereços em vez de sua decadência pode apelar para... o cinema. O Cine Paris já era retratado em 1960, no clássico de Rogério Sganzerla: "O Bandido da Luz Vermelha" (1968).

No longa, há uma cena em que, após sair de uma sessão pornô num cinema não identificado, o protagonista (Paulo Vilaça) fica na porta do Cine Paris, pensando se deve entrar para assistir "As Superbeldades" (1964), do ucraniano Konstantin Tkaczenko.

Em "Documentário", curta de Sganzerla, dois rapazes comentam a estreia do "filme dos Beatles", no Cine Windsor, que, após virar pornô e exibir fitas do gênero por cerca de 30 anos, fechou as portas em 2012.


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