Folha de S. Paulo


Conheça pessoas que evitam sexo por fé, esportes ou questões médicas

A rigor, nem todo mundo faz sexo. Mas todo mundo já ficou sem sexo nesta vida. Além do problema óbvio de não ter com quem transar nas fases de maré baixa, questões profissionais, médicas e de fé levam à abstinência.

Pode ser por meros dois dias, como fazem os jogadores de futebol antes de uma partida -e ainda assim há os que não se aguentam e escapam da concentração. Mas também pode ser uma opção para toda a vida, como os hare krishnas, que só fazem "aquilo" para procriar, mas levam a restrição na maior serenidade.

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Tipos abstinentes foram celebrizados no cinema. Quem não lembra de Mickey, o treinador rabugento de Rocky Balboa? "Women weaken legs" (mulheres enfraquecem as
pernas), dizia para o lutador.

A prática da privação entre os lutadores, além de não ser só um mito hollywoodiano, funciona ao contrário: homens também enfraquecem as pernas das boxeadoras.

"Na competição não tem como, porque a gente fica só entre mulheres. Mas no 'sparring', que é o treino pra valer, se você faz sexo antes, fica fatigado. Mesmo se foi só uma rapidinha, as perninhas não aguentam", afirma a lutadora profissional Andrea de Oliveira Bandeira, 26.

Um mês inteiro sem sexo é o que adianta mesmo para atletas de sua categoria, ela acredita. Por isso, quando o negócio é namorar, melhor procurar alguém do boxe, que entenda seu problema.

E como segurar as pontas?

"No começo é difícil para quem gosta da 'coisa'. Depois, o foco aumenta. Você procura nem pensar nisso." Passada a luta, contudo, o parceiro [no momento ela tem um "rolo"] é recompensado. "O coitado não aguenta, não!"

Messias Gomes, 57, é treinador de Andrea. Apesar de ter amargado as mesmas restrições sexuais, não perdoa os jovens que treinam no Centro Olímpico do Ibirapuera. Ex-boxeador com 36 anos de experiência acumulada no pugilismo, percebe na hora quando o atleta saiu do jejum. E aí vem o sermão: "O boxe é um esporte fiel, a mulher, não", assevera. E conta que já perdeu dois casamentos por causa das lutas.

"É porque eu amo mais o boxe do que o casamento. Quando tinha competição no final de semana, ela ficava me provocando. Eu dizia: você não gosta de mim, vai fazer eu apanhar no ringue."

Enquanto no boxe a abstinência é questão de poupar energia, para os adeptos do Hare Krishna tudo é uma questão de energia. Colocar o foco no plano material -e, portanto, na "carne"- seria contraditório.

Sexo só vale para "trazer uma alma ao mundo". Mas não sem antes cantar 50 mantras, explica Kavi Chandra Das, 24, que vive há dez meses no templo Vrinda, na Aclimação, na região central. E, se fica com vontade, ele medita.

E, adivinha: canta, muito.

Sexo solitário pode? Kavi ri. "Isso não existe!", diz, e faz uma analogia com o boxe: "O boxeador quer ganhar a luta. A gente quer atingir o amor absoluto. Quando você desperdiça o sêmen, perde muita energia".

Mistérios da fé

Quando se fala de sexo, religiões buscam exercer grande influência em seus seguidores. Ao menos em tese, a maioria da população brasileira, católica, também deveria praticá-lo apenas para reprodução, como orienta a Igreja. Na prática, porém, padres e freiras é que têm mesmo de lidar com a privação.

E de novo aparece a energia.

"É lógico que é uma energia forte", diz o seminarista Pedro Augusto Ciola de Almeida, 30, ao contar que já se apaixonou durante a permanência no seminário. "Mas foi algo breve." Nos oito anos de convívio com colegas em formação para o sacerdócio (falta pouco mais de um para ele ser ordenado padre), diz já ter visto alguns desistirem da vida sacra para mudar de lado no altar e se casar.

Ele mesmo passou dois anos em abstinência antes de entrar para o seminário, refletindo para ter certeza de que poderia abrir mão de ter uma companheira para o resto da vida.
E explica que os padres não são seres assexuados. "O celibatário continua sendo homem." A diferença é que o padre renuncia. E renuncia e renuncia e renuncia. Quantas vezes for preciso para que toda sua "energia" (palavras de Pedro) esteja voltada para Deus e para o próximo.

O que fazer na hora do desejo? Tem uma oração para isso? "Não se trata de uma oração específica", diz Pedro, rindo. "Orientamos o afeto no sentido do amor a Deus e à Igreja". Mistérios da fé.

Não morreu, não

A chef Denise, 55, viveu o problema oposto: perdeu o desejo. "Eu era um foguete. Depois da menopausa..." Esse fogo todo não se apagou de repente. No caso da chef, uma condição médica comum a mulheres de sua idade, a perda de elasticidade da vagina, que causa incômodo durante o sexo, a fez perder a vontade. "Cheguei a ficar seis meses sem."

Mas para Denise, que trata o sexo como questão de honra -"enquanto estiver viva, tem que praticar"-, pendurar as chuteiras não era opção. Ficou sabendo de um tratamento novo, a laser (energia de novo!) de nome curioso: "Monalisa Touch", ou o toque de Monalisa, em português.

Acabaria o moderno aparelho com o sorriso amarelo na hora H? Denise assegura que sim.

"A gente pensa que já morreu, mas não morreu, não!"


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