Folha de S. Paulo


Dono de falsa Ferrari amarela agora anda a pé em São Paulo

"Não é aquele cara da Ferrari amarela?", pergunta uma senhora na estação Vila Mariana. "É claro que não, ele nunca ia precisar pegar metrô", responde a amiga.

João Lara Nunes fica para trás, sentado num banco da plataforma. É ele mesmo o "homem da Ferrari" --na verdade, um genérico de cor amarelo-ovo, que ele diz servir para "enganar trouxa".

Mas o homem está longe do automóvel que há 25 anos virou seu apelido e o transformou numa figura lendária da cidade. Seu feito era estacionar a caranga em vias movimentadas e posar de paletó para quem passava na hora do rush.

"As coisas mudam", diz ele, sentado num banco do parque Ibirapuera --um dos pontos onde se exibe atualmente, sem a companhia da máquina.

Agora, o carro só sai de fim de semana. Nos dias úteis, o professor de futebol aposentado e sexagenário, que não revela a idade exata, sai com as próprias pernas. Deixa o apartamento que comprou usando parte da herança da família na Chácara Klabin, zona Sul, e vai até uma estação de metrô, praça, café ou parque que seja do agrado.

MULTA E CABELO

Os motivos para o homem sair sem o carro amarelo são dois.

O primeiro é financeiro: seu orçamento é carcomido pelas "dez, 20 multas" que toma por semana. Enquanto fotografa com a sãopaulo, ele larga o carro em cima de uma calçada em plena avenida Paulista. "É só por dez minutinhos, não vai dar nada, né?" De fato não deu (dessa vez).

O segundo está na cabeça dele. "Lavo os cabelos na segunda. Daí, fica armado na terça e na quarta. Na quinta, começa a ficar bom, e posso sair com o carro, mais bonito", diz.

A beleza capilar importa, diz João. Até porque o bólido já não é mais o mesmo. Em vez de rádio, um som "minisystem" toca música brasileira para tornar a solidão menos silenciosa.

Tempos atrás, ele tinha a companhia de um cachorro da raça chow chow (com farta pelugem na cabeça, lembrando uma juba de leão).

O cão morreu há dez anos e foi substituído por um simulacro de pelúcia. Mas a filha de João, que é modelo e mora em Milão, criou afeto pelo bicho sintético e não deixa mais o pai sair em sua companhia, diz ele, sério.

Da "época boa, em que São Paulo tinha mais trânsito", ele guarda os 15 blazers, que ele combina ora com bermudas de alfaiataria, ora com calças de tecidos como lã fria.

"Eu gosto de ser bonito. Não sei sé é hobby ou mania, mas é o que eu gosto de fazer. As pessoas elogiam."

Ou xingam. Ele diz que não consegue contar com os dedos das mãos as vezes em que foi chamado de "veado".

"Teve gente que já jogou coisa, mas são poucos os infelizes", conta.

Tanto ódio é fruto da incompreensão, defende com a voz baixa. "Não tem gente que faz ioga olhando para a parede? Eu olho para o trânsito."

Mira atrás de óculos escuros Marc Jacobs, já que odeia o sol e não seria visto de olhos nus "nem por uma Ferrari de verdade". E, mesmo se um carro novo viesse, ele não adiaria o fim do hobby, que chega em breve.

"Não fica bem para um velho ficar parado na rua se exibindo, né?", questiona o Homem do Carro Amarelo.


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