Folha de S. Paulo


'Eu era meio leiga', contou a fotógrafa Alice Brill, que retratou SP nos anos 1950

Fotógrafa que registrou o cotidiano de São Paulo entre os anos 1940 e 1960, Alice Brill morreu no fim de junho aos 92 anos. Seu legado, de 14 mil imagens, agora no acervo do Instituto Moreira Salles, recebeu diversas retrospectivas.

Para uma delas, na galeria de arte Alberto Bonfiglioli, em 1975, Alice deu um extenso depoimento à galeria, que você confere com exclusividade abaixo:

"Me estabeleci como fotógrafa porque durante anos tive que trabalhar como secretária. Fiz vários trabalhos não relacionados com a arte para ganhar a vida porque eu não queria e nem podia depender de pintura para viver.

Mesmo quando me casei em 1949, meu marido [Juljan Czapski] era ainda estudante de medicina e nós trabalhávamos juntos como fotógrafos e vivíamos disso enquanto ele estudava.

Até hoje eu gosto muito da fotografia, sou amiga de fotógrafos. A Stefania Bril é muito minha amiga e ainda estou pensando um dia em voltar a isso, fazer com ela uma reportagem artístico-fotográfica mostrando pontos de vista de fotógrafos diferentes.

Mas durante estes anos todos [aos quais me dediquei à pintura], praticamente abandonei a fotografia, porque é impossível manter lado a lado duas artes.

Fotografia é outra arte e a gente tem que dar preferência a uma ou a outra porque o tempo realmente não dá.

A respeito do início, quando trabalhávamos em fotografia, era para ganhar a vida.

Eu era meio leiga, porque tinha feito apenas um curso básico nos EUA com alguma prática como voluntária em New York.

Resolvemos fazer fotografia "freelancer". Eu estava interessada em fazer reportagens artísticas, mas isso nunca rendeu, nunca deu para viver disso porque é uma outra arte.

Então comecei a fazer retratos de crianças para viver disso. Era uma coisa que eu gostava muito. Eram na época novidade, porque isso foi em [1949/50].

Fazia um filme inteiro, 2 ou 3 filmes de uma criança no ambiente dela, deixando-a completamente à vontade e não fazendo-a posar, nem usando retoque, nada artificial. Quer dizer, pegando a criança em seu ambiente e na sua vivência natural.

Fazia provas para os pais escolherem as sequências mais felizes e mais típicas da criança e então fazia, geralmente, álbuns.

Alem disso o meu marido fez também fotografias industriais, fotos em fábricas e documentários desse tipo. Ele me ajudava na parte de laboratório e fez um trabalho muito bom --tivemos bastante sucesso.

Depois partindo disso para a arte, cada viagem que eu podia fazer de férias, aproveitava para fazer reportagens artísticas. Na época o professor [e diretor do MASP Pietro Maria] Bardi quis realizar um livro [sobre São Paulo], mas infelizmente nunca foi concluído.

As fotos foram parcialmente aproveitadas na revista Habitat; passei a trabalhar também no Museu de Arte [de São Paulo, o MASP], para reprodução de quadros para uso de artistas e do museu para publicar em jornais. Eu não tinha muita prática e o meu equipamento era muito pobre para isso, um Rolleiflex.

Acontece que naquele tempo tinha um pintor, Karl Plattner [1919-1986] que passou a me ensinar não a técnica fotográfica, mas a fazer crítica construtiva.

Ele tinha um fotógrafo em Paris que lhe fazia as reproduções; ele me chamava a atenção de tudo que era importante: o que eu deveria realçar, o que deveria conseguir. De tanto tentar satisfazer a suas urgências, consegui chegar a uma relativa perfeição, dentro das limitações de uma máquina que não era especializada para esse tipo de coisa.

Consegui obter coisas realmente muito boas. E até hoje quando faço uma exposição, por exemplo essa da Bonfiglioli, eu volto ao laboratório para fazer minhas reproduções, porque tentei mandar fazer com colegas fotógrafos, mas nunca me satisfizeram. Os que aí estão, são todas reproduções minhas."


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