Folha de S. Paulo


'Caçadores de pichação' gastam 5.300 litros de tinta cinza por mês para cobrir muros de SP

João Carlos de Oliveira, 45, observa três funcionários com macacão laranja pintarem um muro de cinza, a metros do metrô Anhangabaú.

Todos sob sua supervisão na tarefa de acabar com pichações ilegais.

"Se a gente usar tinta branca, é fazer uma tela para eles", explica. "Eles", no caso, são pichadores, seus piores inimigos (e seu ganha-pão).

Oliveira comanda a equipe da Florestana, empresa contratada pela Subprefeitura da Sé para cobrir grafismos feitos em locais públicos do Centro. Em maio, três grafites da dupla osgemeos foram apagados de uma coluna do viaduto do Glicério (região central) por seu time.

Se postos à venda na galeria que representa os irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo em Nova York, os desenhos chegariam a somar US$ 150 mil (ou R$ 320 mil),
segundo colecionadores.

Há 20 dias, o esquema de trabalho mudou. "Em grafite a gente não mexe mais. Nunca mexeu, na verdade. Só apagamos este [d'osgemeos] porque tinha sido 'atropelado' por pichação, por cima", diz João.

Desde então, o time recebeu ordem de só tapar um grafite "se tiver um pedido do governo, por escrito".

Já a burocracia para intervenções em muro público é velha conhecida. Deve-se encaminhar o projeto para a Comissão de Proteção à Paisagem Urbana, que se reúne mensalmente, e esperar a aprovação ou rejeição. Não há prazo para a espera.

Antes, diferenciar a arte de rua "boa" ou "ruim" ficava por conta do bom senso, segundo João --há sete anos na função de "curador informal".

"Se tinha palavrão escrito por cima, a gente apagava. Mas essa história do desenho [dos irmãos Pandolfo] pegou mal. Nunca tinha visto render tanto assunto."

Ele diz que não costuma cultivar inimizade com artistas urbanos. "Tenho funcionários que são amigos d'osgemeos. Até queria colocar eles em contato com o pessoal da prefeitura."

Não precisou: o poder municipal foi direto aos grafiteiros famosos. Planejam uma obra, em lugar ainda não determinado, para sacramentar a paz.

20 MIL M²

João aperfeiçoou o ofício ao longo dos anos. Inventou uma pistola de tinta pressurizada por um motor a gasolina para agilizar a cobertura de imagens como suásticas, siglas de grupos e até frases de amor.

Criou, ainda, a mistura ideal para cobrir bem --e rápido-- as cores clandestinas. Cal, água e um corante chamado pó xadrez, nas cores amarelo e preto, para chegar ao único tom de cinza.

São usados por mês cerca de 5.300 litros da mistura cor de asfalto, só no Centro. Pudera: alguns logradouros ganham várias demãos de tinta. "As avenidas 9 de Julho e 23 de Maio e a rua Amaral Gurgel são as que mais dão trabalho", diz a engenheira da prefeitura Helena Kavamura.

A equipe só é paga se atingir a cota mensal de 20 mil m² de pintura --o que "vai tranquilo", garante João. Eles costumam ultrapassar essa marca em 10%.

Em uma dessas paredes cobertas de cinza, osgemeos fizeram o apelo: "Sr. prefeito: nesta cidade existem muitos problemas sérios que precisam de resultados! Não gaste tempo e $ apagando 'graffiti' nas ruas!".

O contrato com os "caçadores de pichação" (como eles próprios se definem) vai até julho, com chance de ser renovado por mais um ano (e a sãopaulo apurou que de fato será).


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