Folha de S. Paulo


Prédio modernista tombado será restaurado com vaquinha na web

Pouca gente sabe que pelas ruas Bento Freitas e General Jardim, no Centro, circulavam figuras como Pablo Neruda, Carlos Marighella, Tarsila do Amaral e Oscar Niemeyer.

Mais raros são os que se lembram que o prédio paulista do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil), onde esses ilustres costumavam bater ponto, só foi construído depois de uma vaquinha entre arquitetos modernistas dos anos 1950.

E o que ninguém sabe, ainda, é que um novo financiamento coletivo, seis décadas depois, quer devolver ao edifício o prestígio que ficou no passado.

A partir de hoje, o IAB-SP lança uma vaquinha virtual (crowdfunding) pedindo colaboração de internautas para o restauro de sua sede.

A fachada de vidro está escondida por placas de madeira e andaimes desde 2009 -com problemas de infiltração, a marquise corria o risco de desabar sobre a calçada.

No pacote da reforma, o IAB quer atualizar a estrutura do edifício para atender a necessidades contemporâneas. Novas rampas e elevadores para acessibilidade, redes de computadores, sistemas elétricos e reforma hidráulica são as obras mais urgentes.

"Esses tapumes serão retirados até outubro", assegura José Armênio de Brito Cruz, 53, atual presidente do IAB-SP. Em entrevista à sãopaulo, ele diz que já conseguiu os R$ 200 mil necessários para reformar a marquise.

A promessa do instituto é a mesma desde pelo menos 2009. Mas não saiu do papel por falta de verba.

Pelo site do instituto, é possível doar a partir de R$ 25. Com 10 mil associados, a meta do instituto é atingir R$ 1 milhão até 2014.

Em 1949, em uma espécie de "crowdfunding analógico", arquitetos como Rino Levi (um dos responsáveis pelo projeto do prédio) e Gregori Warchavchik (autor da Casa Modernista, na Vila Mariana) precisaram compartilhar economias e pedir dinheiro emprestado para conseguir levantar a sede. A construção foi concluída dois anos depois.

A contrapartida: quem topasse tinha meio caminho andado para garantir um escritório no edifício.

JAZZ E DRY MARTINI

O IAB também pretende reabrir o restaurante que funcionou até a década de 1980 no mezanino.

"Nos áureos tempos, todos os arquitetos trabalhavam no Centro", lembra Júlio Neves, que foi presidente do Masp por 14 anos. "A gente fazia fila durante o dia para almoçar naquele restaurante. E de noite íamos do mezanino para o subsolo."

O subsolo atendia pela alcunha de Clubinho dos Artistas. Embalados pela geometria das taças de gim tônica e dry martini, artistas, escritores e, claro, arquitetos viravam noites sob acordes frenéticos de trios de jazz -ou do saxofone de Pixinguinha, que já tocou por lá.

"Os únicos lugares parecidos na época eram o Nick Bar, na [rua] Major Diogo, e o Paribar, na [avenida] São Luis", afirma Neves.

O restaurante e o inferninho já não existem há tempos.

Mas a estrutura de metal e vidro do prédio guarda alguns detalhes preciosos até hoje. Entre eles, um móbile do artista Alexander Calder, um mural de Ubirajara Ribeiro e composições do arquiteto paisagista Burle Marx.

Hoje intacta, a obra de Calder [veja foto abaixo] já foi sinônimo de dor de cabeça para o instituto. "Na festa da minha posse, com todo mundo já pra lá de Bagdá, uma das "pétalas' do móbile foi roubada", conta o arquiteto Renato Nunes, presidente do IAB paulista entre 1984 e 1985.

"Meses depois recebi um telefonema anônimo dizendo que um dos diretores da instituição o havia roubado", afirma Nunes. O ladrão tinha morrido naquela semana, e a peça foi encontrada na limpeza de seu escritório.

NOVOS ARES

A vizinhança do edifício começou a mudar nos anos 1980, quando os primeiros prostíbulos chegaram e se instalaram na rua Bento Freitas.

A dois passos da entrada do IAB está a boate La Barca, cuja placa avisa: "Fazemos sua festa". Para Brito Cruz, os vizinhos não são problema. "Essa rua é um retrato bastante atual de São Paulo."

Para fazer a festa de Cruz, serão necessários R$ 8,6 milhões. Esse é o custo do projeto completo de restauro, incluindo os oito andares, mezanino, subsolo, terraço e obras de arte. A captação de recursos foi aprovada em 2011, via Lei Rouanet, mas o dinheiro não entrou.

O prédio já foi tombado nas instâncias municipal e estadual de patrimônio. Só falta o Iphan.

Segundo o presidente, o crowdfunding será um estímulo para que novos patrocinadores abracem a causa. "Se precisar ir ao Faustão para pedir dinheiro, eu vou."


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