Folha de S. Paulo


Prostitutas culpam expansão imobiliária por redução de boates na Augusta

O último que sair do Baixo Augusta apaga a luz vermelha. O trecho da rua que vai da rua Peixoto Gomide à praça Roosevelt está a cada dia mais santinho.

Há dez anos, a polícia contabilizava 22 casas, entre "american bars", "boites de nuit" e "relax clubs". Em uma década, a sacanagem caiu 73% e o número de estabelecimentos no logradouro chega hoje a seis.

Eram sete até dez dias atrás, quando a boate Say fechou as portas para uma reforma –a sãopaulo apurou que voltará em dois meses, mas como hotel. "Não sei para que casa vou agora. Mas tem que ser na Augusta", diz Tieta, que trabalhava no lugar.

Aos 26 anos e com uma década de experiência, a morena Tieta se considera uma azarada. Já passou por cinco salões diferentes. Todos fechados. "Vim para São Paulo jovem e a Augusta era meu mundo. Eu vivia aqui, trabalhava aqui e comia aqui. Agora, eu talvez tenha de ir trabalhar 'fora'."

As companheiras de apartamento de Tieta, Geni e Séverine (todos nomes fictícios) já mudaram o local da lida. "Agora, vou para Moema seis noites por semana. Dá uma saudadezinha da noite na Augusta, porque só volto para dormir aqui", diz Séverine do alto de seu 1,74 m de loirice ("natural!").

Mas não por muito tempo. O contrato delas é de cinco anos atrás e chega ao fim em agosto. "Vamos ter que sair. Ouvi dizer que o prédio vai ser vendido."

Pudera: se fosse um lançamento, o aluguel do espaço de 80 m2 custaria R$ 2.000, segundo tabela da Secovi. Como se trata de um prédio pequeno e da década de 1950, as meninas pagam R$ 800 –R$ 300 as duas que ocupam quartos e R$ 200 a que dorme no sofá da sala.

O prédio delas entrará para a estatística. Segundo a Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp), 2.560 apartamentos residenciais e 387 salas comerciais novas em folha serão entregues até 2015 no Baixo Augusta.

IMAGINA NA COPA

Duas das casas remanescentes, a Emanoelle e a Las Jegas também estão em negociação, diz o boato na vizinhança. "Nunca!", responde a gerente de uma dessas casas, que têm o mesmo dono. "Ele não venderia por nada. Podemos ser os últimos, mas não vamos sair."

Outro a jurar que fica é Gilberto Silva. Há 33 anos à frente da boate que hoje se chama Big Ben, ele precisa de duas mãos para contar o número de propostas que recebeu pelo lugar. "Várias construtoras me procuraram." Ele disse não a todas, inclusive à que ofereceu em torno de R$ 5 milhões pelo terreno de 800 m².

E olha que os negócios não vão de vento em popa. "Não é casa cheia, não é casa jovem. É mais tradicional, para pessoas de idade. Sim, está meio fraco, mas não queremos sair."

Para engrossar o número de frequentadores que pagam R$ 50 apenas para entrar na casa e R$ 15 por uma garrafinha de cerveja, Silva planeja ressuscitar os shows de samba que ditaram o ritmo do Big Ben durante a década de 1990. "Tem Copa pela frente. Um monte de gringos. Vai bombar."

Colegas dele discordam. "A Augusta está morrendo", diz Hugo Garcia, que faz a porta da boate Night e antes dela já chamava clientes na rua para a finada Maison. Mas ele diz que está prevenido para o fim. Como sabe dizer a frase "Boa noite, amigo, quer entrar e tomar uma cerveja, talvez conhecer as meninas" em árabe, inglês, espanhol e francês, pensa em dar aula de língua. "Mas não vai ser tão divertido."

NO INTERIOR

Mas a diminuição dos locais de trabalho teve um efeito positivo, dizem as profissionais que não arredaram o pé: as condições trabalhistas melhoraram para quem ficou. Casas pararam de pedir comissão de 25% em cima do valor do programa (de R$ 80 a R$ 150) que as garotas realizam dentro de suas dependências. "Lucramos só nas bebidas. Porque, se ainda fossemos pedir porcentagem, nenhuma menina toparia vir trabalhar", diz a gerente de um dos estabelecimentos.

Isso porque o número de profissionais no mercado local caiu. "Antes, era garota chegando de outros lugares toda noite. Agora, tem dono de boate indo atrás de moças no interior", diz Tieta.

Em cinco noites, a sãopaulo encontrou 18 garotas batendo ponto na rua Augusta –os preços variaram de R$ 40 a R$ 100, dependendo de horário. Uma reportagem da Folha de 1998 classifica o mesmo trecho como "cheio de mulheres a trabalho".

"A Augusta não é mais lugar de sexo", diz programador Marlon, 45, que frequenta a rua desde os 20. Ele é um dos mais assíduos usuários de GP Guia, site onde clientes avaliam, em relatórios detalhados, o desempenho das garotas de programa (vem daí a sigla GP do nome).

"Só tem três coisas nessa rua hoje: adolescente bebendo, família morando e amiga da mulher na balada, pra você encontrar e se f$*#er", diz ele, que agora prefere bares no largo da Batata para as noites de quinta. "As boates que sobraram na Augusta têm cara de museu, algo do passado."


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