Folha de S. Paulo


Atriz de 'Pulp Fiction' interpreta dondoca de esquerda nos palcos de SP

Estreia na sexta (7), no Sesc Santana (zona norte), a montagem "Aos Nossos Filhos", primeira participação da atriz portuguesa Maria de Medeiros em uma produção teatral brasileira.

Laura Castro, autora da peça, interpreta uma filha homossexual que conta à mãe (Maria), uma dondoca de esquerda, que terá um filho gestado na barriga de sua companheira.

A atriz lusitana, que atuou em filmes como "Pulp Fiction - Tempo de Violência" (1994), de Quentin Tarantino, concedeu entrevista exclusiva à sãopaulo.

Sesc Santana. Av. Luiz Dumont Villares, 579, Jd. São Paulo, São Paulo, SP. Tel.: 0/xx/11 2971-8700. 337 lugares. Sex. e sáb.: 21h. Dom.: 18h. 90 min. 14 anos. Estreia em 7/6. Até 30/6. Ingr.: R$ 6 a R$ 24h.

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ENTREVISTA COM A ATRIZ PORTUGUESA MARIA DE MEDEIROS:

sãopaulo - Como surgiu a ideia de fazer uma peça no Brasil?
Maria de Medeiros - Laura Castro mandou o texto para mim em Paris e eu fiquei de imediato interessada. Com efeito, havia uma grande coincidência entre a peça e o trabalho que eu vinha desenvolvendo havia dois anos como diretora de cinema. A Comissão de Anistia e Reparação no Brasil me propôs trabalhar sobre a história de Denise Crispim e sua filha Eduarda. Denise foi a companheira de Eduardo Leite "Bacuri", um dos resistentes brasileiros mais barbaramente assassinados pela ditadura militar. Denise e sua filha conseguiram fugir para o Chile, onde tinham o apoio de [Salvador] Allende, mas foram de novo apanhadas, então pelo golpe militar de Pinochet. Daí fugiram mais uma vez para a Itália, onde residem há quarenta anos. Meu documentário, "Repare Bem", que espero estrear em breve no Brasil, conta essa história e o reencontro dessa mãe e dessa filha com o Brasil, graças ao processo de anistia e reparação. É uma trajetória que me comoveu muito e que marca um momento importante da história, no qual o Estado pede perdão às vítimas pela brutalidade da ditadura e lhes oferece o direito à memória e à verdade.

Em homenagem a Denise e Eduarda, gravei no meu novo CD "Pássaros Eternos", recentemente também editado no Brasil, a canção de Ivan Lins e Vítor Martins, "Aos Nossos Filhos". Então, quando me chega às mãos a peça de Laura, com esse mesmo título, construída em torno dessa música e que trata de uma relação mãe-filha, na qual a mãe é uma ex-guerrilheira, eu só poderia aceitar o desafio.

Você pretende começar a atuar com mais frequência no teatro brasileiro a partir desse espetáculo?
Desde sempre, tenho o maior interesse pelo teatro e pelos atores brasileiros. Quando estou no Brasil, procuro sempre assistir a peças. Sigo o máximo possível o trabalho de Denise Fraga, por exemplo, que admiro muito. O encontro artístico com Laura foi algo especial, mas repetirei caso outros encontros tão harmoniosos se produzam. Gostaria muito de fazer mais cinema no Brasil, não só como atriz, mas como diretora. Adoro trabalhar com os atores brasileiros.

Qual a impressão sobre Vera, sua personagem na montagem?
Quando Laura me enviou a peça, eu não sabia que personagem ela me proporia. Minha idade não corresponde a nenhuma das personagens. Na verdade, estou entre as duas. Logo, Laura me disse que interpretaria a filha e eu entendi que ia ser muito interessante para mim entrar no papel de Vera [a mãe], que é um completo trabalho de composição. Laura está bastante próxima da sua personagem. Já eu não poderia estar mais longe da minha. Tenho que envelhecer bastante na peça, mudar o sotaque e a atitude. Foi muito divertido criar Vera e fiquei bem orgulhosa quando alguém no Rio de Janeiro disse que eu era uma verdadeira "dondoca de esquerda da zona sul".

O que acha do texto da peça?
Gosto muito. Acho de uma grande coragem alguém jovem como Laura se apoderar da sua própria experiência e fazer um texto que não só é interessante do ponto de vista histórico, mas também é de uma grande atualidade em todo o mundo, pois trata da questão das novas formas familiares. Laura aborda a questão com sensibilidade, inteligência e valentia.

Na sua opinião, mãe e filha interpretadas na peça reproduzem a crise de papéis familiares na sociedade contemporânea?
A relação entre Vera e sua filha Tânia é totalmente atual, mas também eterna. Creio que todas as mães e filhas, independentemente da temática gay, podem se reconhecer na relação passional das duas personagens.


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