Folha de S. Paulo


As futuras gerações

Felipe tinha 10 anos e jamais tinha visto um clássico de seu Corinthians no estádio.

Ao contrário de seus irmãos --18 e 16 anos mais velhos que ele e que, com a idade de Felipe, já tinham ido com o pai um sem-número de vezes a todo tipo de jogo--, Felipe contava nos dedos de uma das mãos sua presença nas arquibancadas e sempre em jogos de pouca rivalidade.

Felipe tinha 10 anos e no domingo daquela semana o seu time enfrentaria o Palmeiras. Na segunda-feira mesmo ele pediu ao pai que o levasse ao jogo.

Assim foi combinado, mas assim não foi feito. Porque, na sexta-feira, Felipe perguntou ao pai se o jogo passaria na TV. Diante da resposta afirmativa, surpreendeu: "Então vamos ver na televisão".

"Mas por que, filho, é muito mais gostoso ver no estádio?!", reagiu o pai.

"Porque eu tenho medo", disse Felipe.

Por mais que o pai de Felipe estivesse acostumado a conviver com o problema da violência nos estádios, ele levou um choque, não supunha que afligisse até uma criança.

Felipe hoje tem 22 anos e frequenta os estádios sozinho, mas sabe que a primeira lembrança de seu pai num estádio é junto com o seu avô levando-o pela mão.

O pai de Felipe teme que, quando seus filhos nascerem e crescerem, ele só se lembre de ambos no sofá e reproduza a cena. E os estádios ficarão cada vez mais vazios.

Novos, estúdios, não estádios. Vazios.

Aí, exatamente aí, é que mora o perigo. Mas parece que quem deveria estar preocupado não está nem aí.

Ah, Felipe é meu filho mais moço.

Juca Kfouri é colunista da Folha.


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