Folha de S. Paulo


Letristas 'herdeiros' de Vanzolini vão de Criolo a Trupe Chá de Boldo, dizem músicos

"Ninguém vai substituir o Paulo Vanzolini como maior letrista de São Paulo", diz o jornalista, escritor e pesquisador musical Nelson Motta.

Vanzolini, que morreu nesta semana, aos 89 anos, era o homem atrás da caneta que escreveu a história de uma mulher ciumenta que vaga pela avenida São João e acaba homicida, em "Ronda", e de batedores de carteira do centro da cidade, em "Praça Clóvis".

"Ele influenciou a todos. Versou São Paulo como ninguém para os outros cantarem", diz Jorge Mautner, poeta de "Maracatu Atômico" e músico. Mas os dois entendedores de música garantem: há bons novos letristas escrevendo a cidade em canção.

O rapper Criolo, que decretou "Não Existe Amor em SP", é um deles. Mas, ao contrário da visão central de Vanzolini, Kleber Gomes (o Criolo) pinta a cidade vista do Grajaú, distrito na Zona Sul.

"Ele faz uma música de protesto, mais crítica, de uma São Paulo que não tinha voz", diz Motta. "É a cidade se vendo", analisa Mautner.

Luiz Tatit, músico, linguista e professor, diz que há um típico som local. "A música paulistana tem sempre um certo experimentalismo, independente do ritmo, sem ligações a raízes do passado."

Para Tatit, a cidade é bem representada pelas bandas Trupe Chá de Boldo e Filarmônica de Pasárgada.

Ambos os grupos saíram de carteiras da USP. Enquanto os sete integrantes da Filarmônica se conheceram no curso de letras, alguns dos 13 da Trupe também passaram pela Universidade de São Paulo. Em comum, um som repleto de instrumentos para musicar suas letras bem-humoradas.

Os exemplos foram só esses. "É uma colheita restrita. Uma cidade sem tradição, não é muito de inspirar lirismo", justifica Tatit. Ao que Nelson Motta faz coro: "Eu só posso falar porque sou paulista, nascido na rua Frei Caneca: mas o Rio inspira a cada esquina. São Paulo, nem tanto. É por isso que homens como Paulo Vanzolini são joias".

SAMPA-CANÇÃO

As letras que melhor retratam a cidade, segundo os entrevistados:

Filarmônica de Pasárgada
"O Seu Tipo"

Não adianta roupa de naturista
Perambular pelada pela Paulista
O que você deseja eu tenho de soja
Eu nunca faço o seu tipo
Já bebi xampú
Já nadei no Tietê
Apareço no Datena pra você ficar com pena
Só você que não me vê
Pelo nível do ibope
Haja blush, Photoshop
Cê não quer me conhecer

*

Criolo
"Não Existe Amor em SP"

Não existe amor em SP
Um labirinto místico
Onde os grafites gritam
Não dá pra descrever
Numa linda frase
De um postal tão doce
Cuidado com doce
São Paulo é um buquê
Buquês são flores mortas
Num lindo arranjo
Arranjo lindo feito pra você
Não existe amor em SP
Os bares estão cheios de almas tão vazias
A ganância vibra, a vaidade excita
Devolva minha vida e morra afogada em seu próprio mar de fel
Aqui ninguém vai pro céu

*

Trupe Chá de Boldo
"A Rolinha e o Minhocão"

Então desce comigo, augusta.
Cantando bem alto esse refrão:
Mais vale voar pela cidade numa rolinha
Do que pegar um rush no minhocão.
Augusta, o que importa é o prazer.
Tamanho não é documento, não.
É o que diz o meu cavaquinho do fundo do meu coração.


Endereço da página:

Links no texto: