Folha de S. Paulo


Saiba quem são e como é a rotina dos obstetras mais disputados de SP

Todos os dias nascem na cidade de São Paulo 463 bebês, segundo dados da Secretaria Municipal da Saúde. Seja em hospitais que parecem hotéis de luxo, nas maternidades públicas ou mesmo em suas próprias residências, a maioria vem ao mundo pelas mãos dos milhares de obstetras da capital.

"A gratidão no rosto de uma mãe é incomparável, não se vê em nenhum outro tipo de paciente", diz um deles, Renato Kalil, que atende nas maternidades mais famosas da cidade, como a do hospital Albert Einstein, a Pro Matre Paulista e a do hospital São Luiz.

Mas a satisfação tem um preço. Mesmo fora do horário de trabalho, um obstetra está sempre alerta. "Ele não pode beber ou viajar quando bem entender, já que pode ser chamado para operar", conta Abner Lobão Neto, que foi chefe do programa de pré-natal da Unifesp por 15 anos.

E eles garantem que são poucos os que enriquecem. Segundo a Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo, as operadoras de saúde pagam, em média, R$ 353 por parto. Ainda assim, ginecologia e obstetrícia é a segunda especialidade mais numerosa no país, atrás apenas de pediatria, de acordo com o Conselho Federal de Medicina.

Conheça a rotina e o perfil de quatro dos mais disputados profissionais da cidade, que cobram de R$ 8.000 a R$ 20 mil por parto, caso de Carlos Eduardo Czeresnia.

MÃES E BEBÊS
Tudo o que é importante saber para aproveitar este feliz momento da vida

ABNER LOBÃO NETO

Abner Lobão Neto, 45, foi professor de medicina da Unifesp por quase 20 anos. Saiu de lá em 2011, já chefe do pré-natal, mas ainda hoje é procurado pela instituição para dar entrevistas.

"Na verdade, foi lá que aprendi a importância de simplificar o jargão ao falar com o público", diz. Fato é que, também nas consultas, ele sabe ser didático. Não é à toa que continua sendo professor, agora de uma fundação privada que oferece pós-graduação gratuita para médicos.

Mas Lobão Neto gosta mesmo é de fazer partos. Tem quase 5.000 no currículo. "Uma pequena cidade do interior de Minas Gerais", brinca.

O primeiro bebê que ajudou a trazer ao mundo foi no terceiro ano de faculdade. Era madrugada e estavam todos cansados: o professor, o anestesista, o pediatra e principalmente a mãe. "Eu era o único empolgado na sala", relembra.

O parto, no entanto, dura apenas um instante se comparado aos nove meses da gravidez. No resto do tempo, ele conta que o que mais traz satisfação é justamente responder às dúvidas das pacientes (ou seja, ensinar). "As mães chegam cheias de perguntas. Gosto de ver a cara de alívio delas quando consigo ajudar."

As únicas gestantes que não conseguiu auxiliar foram de um grupo de adolescentes de Embu das Artes. "Para mim, gravidez na adolescência é ruim, mas lá elas ganhavam status ao se tornarem mães." Percebeu que sozinho não conseguiria mudar nada ali. "Foi a única frustração na minha carreira."

E acha que vai morrer fazendo partos: "Enquanto as mãos estiverem firmes e a vista, boa, continuarei".

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RENATO KALIL

Doze anos depois de fazer o primeiro parto, Renato Kalil, 51, foi procurado pela mãe que havia assistido em uma instituição pública. A gratidão no rosto dela, que queria mostrar a filha, era a mesma do dia em que ele lhe entregou o bebê nos braços. "É por isso que amo o que eu faço."

Falante, bem articulado e cuidadoso com a aparência, ele costuma ser convidado para programas de TV e de rádio. Em sua clínica, em Moema, na zona sul, já atendeu muitos famosos. Ele não divulga nomes, pois considera antiético esse tipo de marketing, mas a sãopaulo apurou que a apresentadora Luciana Gimenez e os ex-jogadores Ronaldo e Roberto Carlos estão entre eles.

Kalil concorda que o sobrenome (ele é irmão do cardiologista do ex-presidente Lula, Roberto Kalil Filho) possa ter atraído a elite paulistana. "Mas o que mais conta é o boca a boca."

Ele também credita o sucesso a outra habilidade. "Sei ouvir as pessoas. A paciente me procura para tratar um corrimento, mas descubro que, na verdade, ela está com problemas para engravidar. Por isso, as consultas demoram. Vivo atrasado", brinca.

Agora sua clínica oferece tratamentos de reprodução assistida para casais com problemas de fertilidade.

O Palmeiras é a grande paixão dele, da mulher e das três filhas. É por causa delas que só atende o celular nos finais de semana e feriados se for caso grave.

Programa as férias de acordo com a data prevista do parto das pacientes e fica feliz quando não precisa abrir mão do Réveillon na Bahia com a família.

"Não me tornei médico para ficar rico, até porque os que ganham muito dinheiro não têm tempo para usufruí-lo. O melhor é poder encostar a cabeça no travesseiro e dormir."

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JORGE KUHN

"É achar que vai morrer e, no entanto, renascer mulher e mãe." É assim que uma paciente de Jorge Kuhn, 58, descreveu o parto que teve na água.

Famoso entre ativistas da humanização do parto, ele ganhou destaque em 2012, quando defendeu o modelo no "Fantástico", na TV Globo.

O Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro fez uma denúncia à seccional de São Paulo exigindo investigação por desvio de conduta. Passeatas pelo Brasil foram organizadas em prol do médico, e o caso foi arquivado.

"Disseram que eu queria aparecer", conta, com fala mansa. A exposição, garante, não aumentou o movimento na clínica especializada que fundou há três anos, no Brooklin, região sul.

Para ele, "cada parto é uma doação". "Acompanho até quatro por mês. Mais do que isso não aguento", diz Kuhn, que também dá aulas na Unifesp e trabalha em um hospital público.

Essa identificação começou nos anos 1990, após um estágio em Berlim, onde conheceu técnicas para contornar obstáculos que levam a uma cesárea.

"Na Alemanha, a medicina é altamente tecnológica, mas os partos de baixo risco [com mãe e bebê saudáveis] são feitos do modo tradicional: via vaginal, com uma obstetriz."

Kuhn, porém, não julga os colegas "cesaristas" --e sim o modelo obstétrico brasileiro. "Os médicos não praticam o suficiente na faculdade. No mercado, escolhem a cesárea, que é mais 'garantida'. Além disso, com a baixa remuneração dos planos, quem vai largar o consultório por horas para acompanhar um trabalho de parto?"

Ele quer se aposentar de um dos serviços públicos em breve para, quem sabe, ter mais tempo para ler, ir ao cinema e ao teatro. "Se bem que, como disse uma vez minha filha mais velha, Renata, eu me divirto trabalhando."

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CARLOS EDUARDO CZERESNIA

O dia do ginecologista e obstetra Carlos Eduardo Czeresnia, 62, começa às 5h45. "Mesmo que eu vá dormir tarde por causa de um parto, acordo cedo para fazer ginástica e às 7h30 já estou no consultório."

Ele diz que a disciplina é necessária para dar conta da longa e estressante jornada de trabalho (12 horas, em média). Para ele, que já ficou dez anos sem férias, a obstetrícia, além de um dom, é um vício.

Ele foi o primeiro no país a fazer um parto de trigêmeos que vieram ao mundo em datas diferentes, em 2005. Depois de o primeiro nascer de parto normal, os demais continuaram no útero por mais 12 dias.

Apesar do pioneirismo, Czeresnia é um obstetra à moda antiga. Cesárea com hora marcada só em último caso. "Mas não sou radical. Se a mulher quiser cesárea e se isso não colocar o bebê em risco, tudo bem."

Ele perdeu as contas de quantos nascimentos já fez. "Talvez uns 10 mil, parei de contar há anos."

As fotos de muitos desses bebês preenchem uma parede de sua clínica nos Jardins, onde uma consulta custa R$ 700 e o parto, R$ 20 mil.

E mais uma foto deve ter entrado ali logo depois da entrevista à sãopaulo. "As consultas de hoje acabaram, mas uma paciente está em trabalho de parto", conta, despedindo-se após o telefonema de um assistente


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