Folha de S. Paulo


Mercado de palestras atrai anônimos e celebridades em busca de altos cachês

De terno e gravata, Marco Zanquetta, 37, fala sobre planejamento e pró-atividade para um auditório lotado de uma empresa. Para dar um exemplo sobre trabalho em equipe, ele tira cartas de baralho do bolso. De repente, o microfone some e um estouro chama a atenção da plateia, que logo percebe que o treinamento também é um show de mágica.

O ilusionista, que faz cerca de cem eventos corporativos por ano, é apenas um dos tantos perfis de palestrantes solicitados por empresas como Unimed, Tim, Panasonic e Coca-Cola.

Segundo pesquisa da ABTD (Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento), atualmente 87% das empresas de médio e grande portes do país contratam esse tipo de serviço.

Elas também enviam cada vez mais seus funcionários para congressos em que seminários são as principais atividades. A cidade de São Paulo recebe 75% dos encontros do tipo no Brasil.

O público dos fóruns da HSM, uma das principais organizadoras de seminários, por exemplo, aumentou em quase 40% desde 2007.

"Há dez anos, quando comecei, conseguia citar dez nomes de palestrantes consagrados no mercado. Hoje são mais de cem", contabiliza a empresária Ana Tikhomiroff, fundadora da agência Palestrarte.

Para Alfredo Castro, coordenador da pesquisa da ABTD, uma possível explicação para esse aquecimento é a crise econômica mundial de 2008.

Segundo ele, antes disso, ainda vigorava a ideia de treinamento formal em cursos longos de pós-graduação e MBA. Com a recessão, os gastos precisaram ser cortados. "As palestras surgiram como uma alternativa. Com um bom orador, a empresa toca nos assuntos que quer desenvolver e tem um gasto pontual."

Desde que conheceu Zanquetta, há três anos, Tyago Berbel, 33, gerente regional de vendas da Panasonic, já contratou o mágico cinco vezes para falar a revendedores da marca.

"A ideia é mostrar os diferenciais da empresa de uma forma que ninguém esqueça. Como a palestra é interativa e diferente, as pessoas não ficam entediadas", acredita Berbel.

PARA TODOS OS GOSTOS

A remuneração no setor não tem limites, o que atrai cada vez mais mão de obra. "As pessoas ouvem falar dos valores altos e ficam interessadas.

Recebo muitos pedidos de pessoas que querem ser representadas e não entendem que [o trabalho] não é fácil", diz Ana Tikhomiroff.

"Já cheguei a ser procurada por uma pessoa que queria dar palestras porque havia sobrevivido a uma cirurgia no coração", ela conta.

Os perfis variam muito. O maestro João Carlos Martins, por exemplo, cobra R$ 30 mil de cachê, enquanto o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso embolsa R$ 150 mil por conferência --ele faz até quatro por ano.

Mas, segundo a ABTD, o valor médio de uma palestra de uma hora e meia é de R$ 5.845. Apenas 15% das empresas pagam mais de R$ 8.000.

Os tipos mais tradicionais são os "de carreira", como o psiquiatra Roberto Shinyashiki, que chega a receber 1.500 convites por ano (dos quais só aceita 60), e a fisioterapeuta Leila Navarro, que cumpre uma média de 120 eventos anuais.

Ela não faz mágica no palco, mas as palestras --que ministra descalça, para mostrar que "é preciso ter o pé no chão"-- são tão conceituadas que lhe renderam o apelido de "Viagra empresarial".

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Outra categoria é a de celebridades e pessoas com destaque em suas áreas de atuação.

Aventureiros como Amir Klink e o casal Schurmann são convidados para contar suas histórias. Esportistas, como o velejador Lars Grael, fazem paralelos entre o sucesso no esporte e o mundo empresarial.

Especialistas afirmam que qualquer pessoa bem-sucedida em uma área pode se aventurar pelo setor.

Para o "coach" de palestrantes João Cordeiro, a dificuldade é ser recontratado. "Já vi palestrante aplaudido de pé, mas que nunca mais foi chamado de novo pela empresa."

Ele lembra de um deslize de um profissional que citou a marca concorrente da contratante. Como o sucesso vem muito do boca a boca, uma gafe dessas, diz ele, pode ser fatal.

"É preciso adaptar o discurso para cada cliente e mantê-lo atualizado", explica Sandra Paschoal, que faz a ponte entre empresas e palestrantes.

Oscar Schmidt, por exemplo, começou a dar palestras enquanto ainda jogava. Depois, mudou o visual dos "slideshows" e contratou João Cordeiro para apontar vícios de linguagem.

Um exemplo de quem se manteve no mercado é o ex-capitão do Bope e especialista em segurança pública Paulo Storani, que inspirou o Capitão Nascimento de "Tropa de Elite".

Três anos após o segundo filme, Storani ainda faz mais de 30 eventos por mês. "Resisti a me dedicar exclusivamente a isso, mas a demanda era alta", diz ele, que fala sobre gestão de equipe e alta performance. Ou "como construir uma tropa de elite".


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