Folha de S. Paulo


Para jurista, nova lei antiterror da França é mais dura que a americana

Reprodução/C-Span
Nathan Sales, professor de direito da Universidade de Siracusa, em Nova York
Nathan A. Sales, professor de direito da Universidade de Siracusa e um dos autores do "Patriot Act"

Na sequência do atentado contra o jornal Charlie Hebdo, em janeiro deste ano, não foram poucas as vozes na política francesa a pedir um "Patriot Act à la française", uma nova legislação para enfrentar o terrorismo inspirada na lei norte-americana.

O controverso "Patriot Act" (Ato Patriota), decretado por George W. Bush após o 11 de Setembro, é criticado por ter aumentado as permissões para o governo vigiar suspeitos através de escutas.

O professor de direito da Universidade de Siracusa, em Nova York, Nathan A. Sales, fez parte da equipe que redigiu o decreto. Para o jurista, que na época trabalhava no Departamento de Justiça, os franceses não precisam de um "Patriot Act" para enfrentar o terrorismo porque a atual lei de vigilância dá ainda mais poderes ao governo do que nos Estados Unidos.

RFI Brasil - O "Patriot Act" ainda é útil no combate ao terrorismo?

Nathan A. Sales - Está funcionando bem, mas nenhuma vigilância antiterrorista será perfeita. A mudança tecnológica está colocando muita pressão nas leis de vigilância aqui nos Estados Unidos, mas também na França. Um dos desafios que começamos a enfrentar no último ano é a encriptação. Existe agora um grande número de novas tecnologias que não existiam anos atrás, aplicativos como o WhatsApp e outras tecnologias que terroristas do Isis (sigla em inglês para o nome usado inicialmente pelo grupo Estado Islâmico) e de outros grupos usam cada vez mais para proteger sua comunicação. Isso significa que, mesmo que você tenha uma lei como o Patriot Act ou a nova lei francesa de vigilância, que permitem a investigadores interceptar a comunicação de suspeitos, estas leis não podem fazer muito se não for possível decifrar a informação. Este tipo de encriptação de alta qualidade era exclusividade de governos sofisticados, como EUA, Inglaterra e França. Agora está disponível a qualquer um que tenha um iPhone.

Qual era a principal preocupação quando o "Patriot Act" foi escrito?

Tínhamos dois objetivos-chave. Uma das coisas que o "Patriot Act" fez foi permitir que os investigadores antiterrorismo usassem as mesmas técnicas que policiais comuns vinham usando havia décadas, como, por exemplo, as escutas telefônicas móveis. Outra coisa que o "Patriot Act" tentou fazer foi criar um sistema de aprovação judicial, que permitisse a investigadores antiterrorismo conduzir escutas, mas submetidos à estrita autorização de um juiz. Você precisa de uma permissão da corte para, por exemplo, vigiar Khalid Sheikh Mohammed [terrorista preso em Guantanamo, acusado de ser o "arquiteto" do 11 de Setembro].

Como o senhor vê a lei nova lei francesa de vigilância?

A lei francesa é mais permissiva do que a americana. Ela prevê autoridades de vigilância mais fortes do que as dos Estados Unidos. Não há necessidade de aprovação judicial e há um número maior de tipos de casos em que você pode fazer monitoramento, não apenas terrorismo e espionagem, mas também investigação industrial ou econômica. Em termos de autoridades legais, o governo francês tem mais ferramentas do que o americano.

Então essa lei francesa deveria ser suficiente?

O ataque em Paris ocorreu apesar dessa lei estar funcionando. Precisamos saber por quê. O atentado foi uma operação muito sofisticada, envolvendo muito dinheiro, treinamento, viagens e comunicação. Vai ser muito importante para os investigadores descobrir como isso pôde acontecer sem as autoridades francesas conseguirem detectar. Neste momento em que a França debate quais novas leis poderiam ser adotadas, parte desse trabalho será saber como isso aconteceu sem perceberem.

Os franceses de forma geral recusam a ideia de se fazer um?Patriot Act francês?, com medo de perder liberdades civis. Faz sentido?

A França já tem um "Patriot Act". As leis de vigilância da França vão além do "Patriot Act" americano.

E por que o senhor defende que o "Patriot Act" não atinge os direitos individuais dos cidadãos?

A parte mais importante do "Patriot Act" é a aprovação judicial. De forma geral, se a NSA (Agência de Segurança Nacional) quiser interceptar uma comunicação nos EUA, ela precisa ir à Corte de Vigilância e Inteligência e demonstrar as causas prováveis de que o alvo é um espião ou terrorista. Muito similar às leis que se aplicam à investigação criminal comum. O conceito básico é: você precisa pedir antes a um juiz. E isso é uma maneira importante de evitar abusos ou vigilâncias desnecessárias.

Como o senhor aconselharia o presidente François Hollande a agir a partir de agora?

Não há uma resposta única ou uma bala de prata para resolver o problema. Em parte terá que ser uma coalizão internacional militar, liderada pela França, e eu gostaria de ver os Estados Unidos terem um papel maior. Nosso presidente disse, na sexta-feira (13), ao longo do dia, que o Isis estava contido. Isso foi uma surpresa para o povo de Paris. Eu aconselharia o presidente francês e outros a reunir uma coalizão militar, incluindo Estados árabes sunitas, como a Arábia Saudita, e outros como Geórgia e Egito, que estão na região e têm uma força militar que, combinada com a da Otan [Aliança militar do Ocidente], pode derrotar esta ameaça.

Combater o Isis é diferente do que foi combater a Al-Qaeda?

Há algumas semelhanças perturbadoras entre os dois. A Al-Qaeda em 2000 parecia muito com o Isis em 2015. Os dois têm territórios onde estão seguros, mas o território controlado pelo Isis é muito maior do que o da Al-Qaeda no Afeganistão. O Isis realizou ataques de grande escala, assim como os da Al-Qaeda nos anos 90, como ataques a embaixadas americanas na África. A minha preocupação é que o Isis esteja fazendo agora só o aquecimento. O catastrófico ataque em Paris, o avião russo e o ataque no Líbano podem ser o prelúdio de algo maior, da escala do 11 de Setembro.


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