Folha de S. Paulo


Falta 'paciência' a Dilma para ouvir deputados, diz ministro do Turismo

Prestes a deixar o cargo de ministro do Turismo para reassumir sua vaga na Câmara e disputar mais um mandato pelo PMDB do Maranhão, Gastão Vieira afirma que existe um "problema do temperamento" da presidente Dilma Rousseff que causa a deterioração do relacionamento entre o Planalto e o Congresso.

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"As pessoas usam uma expressão chula... Da [falta de] paciência que você tem para ouvir deputado. Para ouvir reclamação. Para ouvir pedido de transferência, uma série de coisas. Nem todo mundo tem esse tipo de apetite", declara Gastão Vieira em entrevista ao programa Poder e Política, da Folha e do UOL, referindo-se à presidente da República.

Indicado para o Turismo por seu padrinho político, o senador José Sarney (PMDB-AP), o ministro relata ter sido recebido por Dilma Rousseff em audiência oficial apenas quatro vezes ao longo de dois anos e três meses à frente de sua pasta.

Ao indicar qual seria a solução para Dilma Rousseff melhorar o funcionamento da base aliada ao governo no Congresso, o ministro repete a sugestão sempre ouvida entre políticos: "Dialogar. Reunir os líderes. Muitas vezes com a própria presidenta. Não apenas com a secretária de Relações Institucionais [Ideli Salvatti], com o chefe da Casa Civil [Aloizio Mercadante]. Muitas vezes a presença do presidente, da figura maior da política do país, remove muito mais montanhas do que a gente possa imaginar".

Do ponto de vista prático, é um pouco mais do que isso. Um problema "que pega a grande massa dos deputados" é a liberação de emendas ao Orçamento. "Se você consegue desarmar o nó das emendas [liberando o dinheiro]", com o Planalto reconhecendo "que aquilo é um direito do parlamentar", o clima de quase rebelião no Congresso seria quase debelado.

Nas últimas semanas, vários partidos aliados ao governo formaram o que vem sendo chamado de "blocão" para pressionar o governo durante o processo de reforma ministerial –e para ter mais liberação de emendas. Como este é um ano eleitoral, há restrições para aplicação de recursos públicos no segundo semestre. Os congressistas ficam aflitos para ter logo o dinheiro destinado para as obras que escolheram.

A quase rebelião na Câmara tem sido comandada pelo líder do PMDB, Eduardo Cunha, do Rio de Janeiro. Gastão Vieira defende o seu colega de partido: "Ele [Cunha] é, na maioria das vezes, porta-voz do sentimento da bancada. A bancada está insatisfeita, ele leva essa insatisfação".

Vai longe esse movimento beligerante dentro do Congresso? "Acho que o Parlamento vai funcionar até julho. A partir de julho, cada um tem uma agenda própria, que é a sua reeleição. Esvazia-se. Essa efervescência tem uma tendência a baixar", opina o ministro. Faz, entretanto, uma ressalva: "Isso não quer dizer que ela [a insatisfação dos deputados] não tenha que ser observada e contida".

Na eleição de outubro, no Maranhão, Gastão Vieira espera do PT o mesmo comportamento de 2010, dando apoio aos políticos da família Sarney. "O PT vai continuar apoiando por uma razão muito simples: ele fez parte do governo Roseana [Sarney] (...) A expressão eleitoral do PT no Maranhão sempre foi abaixo do que o PT tem em outros Estados".

COPA DO MUNDO

Sobre os preços de hotéis e passagens aéreas durante grandes eventos que serão realizados no Brasil, como a Copa do Mundo de futebol, Gastão Vieira acha que a função do governo é monitorar, mas que a solução tem de ser "dentro do mercado".

Os investimentos para melhorar a infraestrutura para turismo no Brasil, diz o ministro, esbarram também na incapacidade de prefeitos e de governadores para tocar grandes projetos. Cita por exemplo a Prefeitura de São Paulo, comandada por Fernando Haddad, do PT, que tem R$ 360 milhões à disposição, mas não usa os recursos.

"O dinheiro está parado na Caixa Econômica Federal e nós estamos aguardando que eles [Prefeitura de São Paulo] façam os projetos executivos", diz Gastão Vieira. As verbas seriam para a reforma do autódromo de Interlagos, do centro de convenções do Anhembi e para construção de uma "cidade do samba".

A seguir, trechos da entrevista, concedida na última quinta-feira à tarde, 27 de fevereiro:

*

Folha/UOL - Muitos consideram altos os preços que serão cobrados, no Brasil, em hotéis e passagens áreas internas durante grandes eventos, como a Copa da Mundo. O governo pode ou deve fazer alguma coisa a respeito?
Gastão Vieira - Nós estamos em um regime de mercado. Continuamos acreditando que o aumento de assentos nos voos e o aumento do número de hotéis haveriam de buscar, dentro do mercado, um equilíbrio natural para essas questões.
É claro que em um grande evento a demanda é muito maior. Mas nós já estamos verificando que há uma baixa no preço de alguns hotéis, no Rio de Janeiro, por exemplo. O aparecimento de hospedagem alternativa em várias outras cidades-sedes.

Cabe ao governo tentar, por alguma medida, impedir que ocorra alta de preços ou é o mercado que tem que resolver?
Acho que é o mercado que tem que resolver, mas os abusos... E nós tivemos na Copa das Confederações alguns abusos inaceitáveis para o governo.

Por exemplo?
Alguns hotéis de Brasília que cobraram diária de R$ 2.800. O preço de uma passagem área, Curitiba-Manaus, Manaus-Curitiba por R$ 9.000. Trata-se de um abuso. Havia um ataque especulativo, o governo tinha de agir. Fizemos uma reunião básica envolvendo os órgãos de defesa do consumidor do Ministério da Justiça, Ministério do Turismo, a Embratur, e passamos a conversar com os empresários nas cidades-sedes todos os meses.
Essa é a postura do governo. Essa é uma questão que você não pode resolver via decreto, que normalmente fica pior.

Em que pé está a construção dos Centros de Atendimento ao Turista nas cidades-sedes da Copa do Mundo?
Lamentavelmente, estão muito atrasados.

Por quê?
É uma série de fatores. De um lado, são obras de valor pequeno. Um Centro de Atendimento ao Turista, um CAT, que é de R$ 2 milhões. As prefeituras e os Estados vão sempre colocando essas questões para uma segunda prioridade.
Depois nós tivemos mudanças das administrações municipais. Trocaram as equipes dos prefeitos em quase todas as cidades que estão servindo de cidade-sede. E depois não tem projeto.
Sinalização turística é outra coisa que o ministério está preocupadíssimo. É a maior demanda dos turistas. O que eles mais reclamam no Brasil é que eles não têm orientação. Nem nos aeroportos, nem nas estações de metrô, nem nas paradas de ônibus, ele não sabe aonde o ônibus vai, por onde ele circula.

E quando tem, não é padronizado. Cada cidade faz de um jeito...
Isso. Tecnologicamente, isso é uma obra simples. Então, ninguém tinha projetos. Na hora que coloca no papel descobre que não é tão simples assim, tem uma complexidade.
Aí começa a atrasar, começa a atrasar, enfim.

Alguma cidades-sede da Copa do Mundo ficará sem o Centro de Atendimento ao Turista?
O Centro de Atendimento ao Turista eu acho que todas terão. Você pode ter um centro móvel. Ao invés de você ter uma construção, você compra um ônibus, compra um outro tipo de veículo sobre rodas e supre essa necessidade.
Sinalização turística, a maioria das cidades está nos apontando que a partir de abril começam as colocações de placas.
Enfim, dá tempo até a Copa, mas é um susto considerável que se leva todos os meses.

Qual é a origem dessa atitude dos governos estaduais e dos prefeitos?
Desde o momento que nós abandonamos os planos estratégicos e abandonamos a boa prática de ter projeto executivo.
Nós fizemos, por exemplo, o PAC do Turismo: R$ 680 milhões. A presidenta concedeu ao ministério esse recurso para que nós destinássemos a metade desses recursos para a cidade de São Paulo, preparando-a para disputar a Expo 2020. Não ganhou a Expo. Nós ficamos com o dinheiro para [recuperar o autódromo de] Interlagos, R$ 160 milhões, o pavilhão do samba e recuperar o Anhembi, que é o maior centro de eventos que nós temos no Brasil. Nenhuma dessas obras começou. O dinheiro está parado na Caixa Econômica Federal e nós estamos aguardando que eles façam os projetos executivos.

O sr. está dizendo que Interlagos, o pavilhão do samba...
É uma cidade do samba construída em São Paulo, e o Anhembi...

E o Anhembi têm verbas do governo federal. Quanto que seria isso?
R$ 360 milhões.

Esse dinheiro está parado à disposição na Caixa Econômica e depende do projeto executivo que é responsabilidade da prefeitura?
Da Prefeitura de São Paulo. E aí você não tem o projeto.

E o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, diz o que para o sr.?
Eles estão tocando. Eles não tinham projetos. Foram obras que ele já herdou da administração anterior, do [Gilberto] Kassab...

Não havia projeto herdado da administração anterior?
Não havia projeto, havia um problema. "Vamos perder Interlagos para a Argentina", "vamos perder Interlagos para Santa Catarina". Na hora que nós chegamos com o recurso, por ordem da presidenta Dilma, descobrimos que não tinha projeto. E aí a Caixa não contrata...

Isso quando foi?
Isso foi ano passado, por volta de outubro, novembro, quando São Paulo perdeu a disputa para a sediar a Expo 2020.

O que diz o prefeito de São Paulo?
Eles dizem que estão concluindo essa fase de contratação com a Caixa dos projetos. Até porque daqui a pouco nós vamos ter outro Interlagos. O compromisso é de que a recuperação seria feita para o próximo evento esportivo. Já perdeu o Carnaval, o pavilhão da Cidade do Samba. O Carnaval é daqui alguns dias. Enfim, é uma coisa muito complicada.

Quantos turistas estrangeiros recebeu o Brasil no ano passado?
Nós estamos fechando essa conta e acho que vamos chegar a 6 milhões de turistas estrangeiros.

É um número em relação a países vizinhos...
Muito pequeno.

Qual a ordem de grandeza do número de turistas estrangeiros que visitam a Argentina e o Uruguai, por exemplo?
No Uruguai são 3 milhões de turistas. Na Argentina é um pouco mais, 4 milhões e pouco. Dos nossos 6 milhões, a metade é de argentinos.

O Brasil recebe cerca de 6 milhões. O Uruguai, com 3 milhões de habitantes, recebe 3 milhões de turistas...
Uma população uruguaia, 3 milhões de turistas, basicamente em Punta Del Este e um pouco mais distribuídos.
Uma das grandes diretrizes que eu consegui estabelecer quando cheguei ao ministério era colocar o turismo na pauta econômica do governo. Nós participamos com 3,7% do PIB. Em termos financeiros, isso dá mais de R$ 50 bilhões. Isto é maior do que o PIB de mais de 100 países. O Brasil é a sexta economia turística do mundo. Temos um enorme potencial. Mas estamos longe de virarmos um grande destino turístico.

A presidente Dilma Rousseff abraçou essa causa?
Posso falar por aquilo que eu participei. Lembro-me que quando ela preparava a primeira lista de desonerações da folha de pagamento para a indústria brasileira eu conversei com a presidenta no sentido de que ela colocasse os hotéis e os resorts. Ela viu os números que eu tinha levado e autorizou. Tanto que esses dois segmentos do turismo entraram na primeira lista de desoneração. Depois entraram também no abatimento do preço da energia elétrica, nós conseguimos alguns avanços na importação de equipamentos para parque temático sem similar nacional. Eles estão isentos de qualquer pagamento de imposto. Ela deu R$ 680 milhões para construir centros de convenções em dez cidades brasileiras que não tinham centros. Falando de grandes cidades, Curitiba, Porto Alegre.
Ela [Dilma] teve uma atenção, mas é preciso que essa atenção seja maior. Ninguém gera emprego mais barato e faz inclusão social mais rápido do que o turismo. Mas é preciso que esse trabalho permaneça e continue.

O que poderia ter sido feito na sua gestão e não o foi por dificuldades várias?
Uma mais completa desoneração tributária em toda a cadeia econômica do turismo. Nós temos problemas que poderiam ter sido superados. Dou como exemplo falta de conectividade aérea. As empresas brasileiras deixaram de viajar para o exterior. Praticamente não viajam mais para o exterior. O grande problema do Brasil para aumentar o número de turistas é que é muito longe. O nosso turista de fronteira é o argentino. Metade dos 6 milhões são argentinos.

O sr. é deputado federal licenciado e ocupa o cargo de ministro do Turismo. Pretende concorrer a um novo mandato de deputado federal e vai deixar o ministério até abril?
É. Até o prazo de desincompatibilização eu deverei sair. Vou voltar para tentar conquistar mais um mandato de deputado federal.

Já comunicou à presidente Dilma Rousseff a respeito?
A presidente respeita muito a decisão que você toma. A decisão de sair, disputar um novo mandato. Essa foi a minha decisão. A presidente está comunicada. Nós estamos apenas aguardando que a presidente sinalize que dia nós vamos ter que sair do ministério.

Ela já deu indicação de quem pode substituí-lo?
Não. Nenhuma indicação nesse sentido.

São necessários 39 ministros?
Se cada ministro entender que despachar com a presidente, ocupar o tempo da Presidência é algo que lá fora marca o prestigio dele, aí eu acho que é excessivo. Mas se você consegue identificar onde está o poder capaz de resolver aquela questão sua, eu acho que pode ter menos, mas 39 não atrapalha.

Nesses dois anos e três meses no ministério, o sr. se encontrou quantas vezes com a presidente Dilma em audiências especificas para a sua pasta?
Acho que umas quatro vezes, em audiências solicitadas para discutir problemas específicos.

Política do Maranhão. O PT continuará oficialmente apoiando o PMDB e a governadora Roseana Sarney no Estado?
O PT vai continuar apoiando por uma razão muito simples: ele fez parte do governo Roseana. O PT tinha vice-governador e tinha cinco secretarias de Estado. Inclusive secretarias importantíssimas como Secretaria de Educação e Secretaria de Ciência e Tecnologia. No Maranhão, o PT tinha um deputado federal, três deputados estaduais e nenhum vereador na capital. Portanto, a expressão eleitoral do PT no Maranhão sempre foi uma expressão abaixo do que o PT tem em outros Estados.

No caso do PT no Maranhão a expectativa sua é que continue dentro da aliança formal que elegeu Roseana Sarney? O sr. teve alguma indicação por parte da direção nacional do PT nesse sentido?
Não. Nenhuma indicação. Apenas a indicação que nós tivemos é que o PT foi muito bem tratado no governo [de Roseana Sarney]. Hoje mesmo continua tendo quatro secretarias no governo.
O PT do Maranhão é muito dividido. Tem o PT que não obedece ordem nem da direção nacional. Esse PT tanto em 2010, como provavelmente agora em 2014, ele vai seguir uma linha que não tem nada a ver com a determinação da direção nacional. Apesar da sua maior estrela, que é o deputado Domingos Dutra, ter deixado o PT. Portanto eu creio que essas coisas continuarão.

O seu partido, o PMDB, tem liderado por meio do líder peemedebista na Câmara, Eduardo Cunha, a formação de um grupo de partidos, o chamado "blocão", para fazer uma certa pressão sobre o governo federal. Por que a situação chegou a esse ponto?
O deputado, principalmente no ano de eleição, fica muito preocupado com as suas emendas [ao Orçamento]. Ele sabe que a moeda de troca que ele tem com a sua base eleitoral é o trabalho que ele prestou durante o seu mandato para aquela comunidade. Então se ele não prestou um trabalho importante, ele ainda tem alguns meses para tentar prestar. A emenda se torna a moeda mais importante na cabeça de um parlamentar.

Podemos chamar isso de fisiologismo?
Eu diria que não, é legítimo. O que você tem com o seu quinhão do poder é a emenda que a lei lhe determina e que você usa para fazer a sua política.

Qual é a definição mais correta de fisiologismo no caso da política?
Eu acho que fisiologismo no caso da política é quando você busca um pedaço do poder para exercer exclusivamente os seus interesses pessoais, ou de familiares. Agora, um deputado que tem uma emenda que constrói um posto de saúde, onde tem um médico cubano atendendo à população, ele tem discurso com a população. E a população está cobrando. Nós estamos vivendo um ano de entrega. Quem não entregou vai ter muita dificuldade de se reeleger.

Mas o que aconteceu no governo da presidente Dilma para que a relação política entre o Palácio do Planalto e o Congresso chegasse ao nível atual de deterioração?
Ouço dos líderes que passam pelo meu gabinete. São líderes de vários partidos. Não apenas do meu partido, do PMDB. Eles gostariam de ter uma interlocução mais amiúde, mais próxima, mais íntima com o poder central.

Mas ouve-se isso há muitos anos, em muitos governos. Trata-se de uma reclamação momentânea e daqui a pouco tudo se acomoda?
A política tem de se acomodar até porque o tempo é finito. Eu creio que há uma repetição. Há uma monotonia nessa questão política. Quando eu lhe falo que nós precisamos discutir o conceito de governabilidade é exatamente para fugir dessa monotonia, porque dá uma desgaste. Dá um desgaste para todo mundo.

Não é constrangedor o seu partido, que tem a Vice-Presidência da República, estar sendo protagonista nesse episódio, por meio do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha?
Se eu estivesse na Câmara eu lhe daria uma resposta do ponto de vista da bancada. Estando no ministério, dou uma resposta do ponto de vista de quem está no ministério. Nós temos o vice-presidente da República, fizemos o presidente do Senado, fizemos o presidente da Câmara. No mínimo deveria haver uma compreensão de que nós estamos no poder.

Exato...
Então nós não somos partido de oposição querendo entrar. Nós somos partido que está no poder. O poder está sendo compartilhado conosco. Nós temos o controle das duas casas do Congresso e temos a Vice-Presidência da República.

Exato, mas como é possível que esse partido que está no poder lidere essa, vamos dizer, revolta?
Se eu estivesse na Câmara eu teria um entendimento melhor do que está se passando...

Mas o sr. sabe o que está se passando...
Não me sinto confortável em ser ministro do governo e ver o partido que me indicou estar em um ambiente de grande hostilidade com o governo. Ou o governo de grande hostilidade com o partido. Creio que era preciso haver um entendimento. E um entendimento rápido porque essa situação traz muito desgaste, tanto para o governo, que tem uma pauta, que todo dia tem uma desarrumação, quanto para o próprio partido, que passa essa imagem de fisiologista.

Essa situação pode ser resolvida por decantação apenas? Deixar o tempo passar e as coisas se resolverem sozinhas?
Penso que não. Pelo que eu percebo no meu gabinete, onde passam deputados de diversas bancadas, de diversos partidos, o grau de insatisfação atingiu um ponto preocupante. E na política é conversar. É desarmar nós, é construir pontes. É manter o entendimento. É isso que eu acho que precisa ser feito. Está sendo feito, pelas lideranças tanto do governo quanto dos partidos.

Mas não é isso que ouvimos no Congresso...
Tem dois níveis de problemas. Tem um que pega a grande massa dos deputados, que corresponde às emendas. E tem outro, que corresponde à elite da Câmara, à elite partidária, dos diversos partidos, que se refere a cargos no governo.
Se você consegue desarmar o nó das emendas, elas serem impositivas não porque o Congresso votou. Serem impositivas pelo governo reconhecer que aquilo é um direito do parlamentar -esse parlamentar que está brigando pela sua emenda não é o mesmo parlamentar que está brigando por maior participação no governo.

A recomendação objetiva do sr. é que alguém dentro do governo federal observasse a lista de emendas ao Orçamento feitas por deputados ou senadores e que liberasse o mais rapidamente possível?
Não apenas aquelas que são impositivas, que são 50% das emendas, mas aquelas que não estão impositivas e que nós deveríamos liberar, porque é um direito do parlamentar.

Por que que o governo não faz?
Porque você ter uma maioria tão grande... Não vejo necessidade de ter essa maioria tão grande. Se você tivesse uma maioria necessária para aprovar os seus projetos importantes, o carinho, a interlocução, a atenção se daria de uma forma mais fácil. Uma coisa é você contemplar dois, três partidos que formam a sua base. Outra coisa é você contemplar 13 partidos.

Mas então qual é a solução? O que que o governo da presidente Dilma Rousseff deve fazer?
Dialogar. Reunir os líderes. Muitas vezes com a própria presidenta. Não apenas com a secretária de Relações Institucionais [Ideli Salvatti], com o chefe da Casa Civil [Aloizio Mercadante]. Muitas vezes a presença do presidente, da figura maior da política do país remove muito mais montanhas do que a gente possa imaginar.

Ela faz menos do que poderia este tipo de reunião?
Aí é julgar um tipo de personalidade. Eu diria que o Conselho Político do qual eu participei algumas vezes, que tinha todos os líderes partidários, na Câmara, no Senado, presidente de partido, em que se discutia a pauta do mês, as dificuldades, aquilo que poderia ser removido, eu creio que essa é uma prática que deveria ser recorrente.

Por que que o sr. acha que, com mais de três anos de governo, isso ainda não ocorre no governo da presidente Dilma?
Você tem o problema do temperamento, você tem o tamanho do... As pessoas usam uma expressão chula, né...? Da paciência que você tem para ouvir deputado. Para ouvir reclamação. Para ouvir pedido de transferência, uma série de coisas. Nem todo mundo tem esse tipo de apetite. É por essa razão que as lideranças da Casa, do governo, têm de funcionar. E para a liderança funcionar é preciso entender o que o governo quer fazer. Portanto há toda uma movimentação.

Existe risco de deterioração ainda maior?
Creio que não. As pessoas começaram a dialogar. Há uma movimentação. Ontem [26.fev.2014] mesmo estive com o presidente do meu partido, o senador [Valdir] Raupp, que estava buscando o entendimento. Isso é permanente no vice-presidente Michel Temer. Eu acho até que essa disposição para dialogar também é do líder Eduardo Cunha.

Mas ele [Cunha] lidera o movimento. Tem um discurso mais de adversário do que de aliado do governo...
O líder Eduardo Cunha ele tem uma frase, eu já ouvi como deputado, enquanto estava na Câmara, e vou ouvir mais porque vou retornar, que ele diz que ele é o porta-voz do sentimento da bancada.

Ou seja...
O que o Eduardo [Cunha] tem feito, como prática do exercício da liderança dele, é que ele realmente é o porta-voz das reclamações da bancada. Muitas vezes isso aconteceu até comigo. Muitas vezes a bancada reclamou do Ministério do Turismo e o líder foi lá como porta-voz desse movimento, me dizer: "Olha, a bancada quer falar com você porque não concorda com isso e com aquilo".

O sr. está dizendo que o líder do PMDB Eduardo Cunha, na Câmara dos Deputados, simplesmente vocaliza uma insatisfação geral?
Ele é um homem trabalhador, extremamente observador, presente. Ele tem opinião sobre as coisas, sente que é um homem preparado na discussão dos diversos temas. O que eu digo é que ele é, na maioria das vezes, porta-voz do sentimento da bancada, e a bancada está insatisfeita. Ele leva essa insatisfação.

Que consequências poderiam existir dessa situação atual na relação Planalto-Congresso para o processo eleitoral?
Acho que o Parlamento vai funcionar até julho. A partir de julho cada um tem uma agenda própria, que é a sua reeleição. Esvazia-se. Essa efervescência tem uma tendência a baixar.
Então isso é uma movimentação que vai aí até junho. Isso não quer dizer que ela não tenha que ser observada e contida. Creio que nós temos várias maneiras de fazer isso acontecer.

O sr. acha que a equipe que conduz a coordenação política da presidente nos últimos meses fez o que de melhor poderia ter sido feito?
Não estou no Congresso. É muito difícil não estando lá fazer uma conceituação de como as coisas lá ocorrem. Não me arriscaria a fazer isso. Eu penso aquilo que as pessoas vão ao meu gabinete e dizem. Tem semana que está todo mundo elogiando. Tem semana que está todo mundo criticando. Isso faz parte um pouco do jogo que se produz nas duas Casas do Congresso.

Acesse a transcrição completa da entrevista

A seguir, os vídeos da entrevista (rodam em smartphones e tablets):

1) Principais trechos da entrevista com Gastão Vieira; (5:52)

2) Falta paciência a Dilma para ouvir deputados, diz Gastão Vieira; (2:06)

3) Se liberar emendas, desata o nó do Congresso, diz Gastão Vieira; (1:33)

4) Líder do PMDB só é porta-voz da insatisfação dos deputados, diz Gastão Vieira; (1:30)

5) PT vai apoiar família Sarney no Maranhão, diz ministro; (1:16)

6) Preços de hotel e passagens o mercado resolve, diz Gastão Vieira; (1:30)

7) Governo tem R$ 360 mi para SP, mas prefeito do PT não usa, diz Gastão Vieira; (2:09)

8) Quem é Gastão Vieira?; (1:31)

9) Íntegra da entrevista com Gastão Vieira; (54 min.)

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