Folha de S. Paulo


Deputados criticam 'duplo poder' na Assembleia de São Paulo

Diego Padgurschi - 26.nov.2017/Folhapress
O vice-governador de São Paulo, Márcio França
O vice-governador de São Paulo, Márcio França

O clima pesou nesta terça (19) na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo). Três deputados discursaram contra a existência de um "duplo poder" na Casa, reflexo da tensão diante da transição de poder do governador Geraldo Alckmin (PSDB).

Até abril, Alckmin deve deixar o Bandeirantes para disputar a Presidência. É quando seu vice, Márcio França (PSB), assumirá e criará um cenário político inédito em São Paulo: pela primeira vez, um governador não tucano estará no poder e disputará a reeleição.

Um dos deputados mais influentes no Legislativo, o alckmista Campos Machado (PTB) disse não reconhecer o "segundo governo". Ele reclamava de uma decisão do colega Caio França (PSB), filho do vice-governador e líder de seu partido, que havia sinalizado retirar o apoio à PEC 5, projeto de autoria do petebista que prevê o aumento do teto salarial de servidores paulistas.

"Alguns deputados se acham proprietários da Casa, inquilinos do Palácio dos Bandeirantes", disse Machado. "O governo quer mandar sem ter assumido."

À Folha, Munhoz disse que Caio França está em seu direito, na posição de líder de bancada, de se opor a projetos de lei.

TRANSIÇÃO

O fato é que há uma tensão tácita no ar com a perspectiva da transição, que corre à boca-miúda entre deputados e servidores da Assembleia.

O grupo de França, inclusive seu filho, se esforça para garantir que não haverá mudanças na correlação de forças no Legislativo, apesar da perspectiva de embate eleitoral entre PSB e PSDB.

Em entrevista à Folha, na sexta (15), Macris disse confiar na "lealdade muito explícita" de Márcio França a Alckmin. Mas ponderou que atuará como um limitador, em "defesa do legado do PSDB". Afirmou, ainda, que o vice-governador "não poderá confundir governo e eleição".

No mesmo dia, Carlos Cezar (PSB), líder do "bloco", divulgou uma nota em que afirma que Macris "não pode confundir lealdade com submissão".

"Márcio França foi eleito com o mesmo número de votos que Alckmin. Não assumirá por favor, mas sim por direito. E naturalmente será candidato à reeleição, com apoio de maioria folgada na Assembleia, com ou sem, parte do PSDB", disse Cezar.

O líder do bloco disse que há no PSDB quem torça contra a candidatura de Alckmin à Presidência, "ao contrário de França, que é tão leal e idôneo, que foi escolhido pelo próprio Alckmin, para ser seu sucessor quando deixasse o governo".

COLIGAÇÃO

O vice-governador construiu uma base com cerca de 30 deputados do PV, PSB, PR, PPS, PSC, PEN, Podemos, PSL, PP e Solidariedade, que podem vir a formar a coligação de sua candidatura.

O grupo, apelidado de "bloco", se reúne com o vice de Alckmin semanalmente. Eles são numericamente superiores ao PSDB, principal bancada da Alesp, mas ainda precisam ampliar a influência na Casa. Na semana passada, França jantou com os parlamentares paulista –Campos Machado foi um dos convidados.

O petebista foi seguido na tribuna pela petista Márcia Lia. Ela reclamou da decisão de Caio França de se opor a pautar a discussão do PL 33, projeto de lei que regula o período de quarentena de professores, que havia sido, segundo a liderança do PT, acordada no Colégio de Líderes.

"Já tem outro governador querendo governar nesta Casa, que é o que assumirá em abril. Todas as negociações foram interrompidas não mais pelo governador Geraldo Alckmin, mas por interesse do futuro governador Márcio França", afirmou a deputada.

Líder do governo Alckmin, Barros Munhoz (PSDB) tentou colocar panos quentes na discussão. Disse que a orientação da sessão –feita pelo presidente Cauê Macris (PSDB)– tinha sido "extremamente correta".

Segundo Munhoz, as negociações foram interrompidas porque não houve consenso no Colégio de Líderes, uma instituição com os líderes partidários da Alesp que acorda a pauta do dia e os resultados das votações.

"Todos os projetos foram sugeridos para serem votados hoje. Depois, ele [Macris] consultou líder por líder sobre os projetos em que havia concordância ou não. E é rigorosamente verdadeiro que nenhum projeto teve a concordância de todos os líderes, nem a PEC 5 nem o 33", disse o líder do governo.

Caio França afirmou à reportagem que agiu como líder de seu partido e que é favorável à votação da PEC 5. No entanto, diz entender que é preciso discutir também o reajuste salarial de outras categorias do funcionalismo.

"É preciso avançar na PEC, mas não é um tema que o governo entende hoje como prioritário. O governo de São Paulo é reconhecidamente austero", comentou o deputado.

Sobre a possível transição de governo para o seu pai, o deputado afirmou que "a expectativa de mudança de poder cria uma expectativa" com a "clareza da definição da candidatura de Alckmin à Presidência", e defendeu a normalidade das relações entre seu partido e a base de Alckmin.

CLIMA

Os corredores –inundados por forte um cheiro de queimado durante boa parte da tarde– estavam tensos no Legislativo nesta terça.

A perspectiva é que esta seja a última semana de trabalho. No entanto, ainda há projetos prioritários que Alckmin precisa aprovar até o fim do mês: dois projetos que preveem que o governo negocie crédito para terminar obras de transporte e infraestrutura, além da votação das contas do exercício de 2016 e do orçamento de 2018.

Mas as votações seguem emperradas, apesar de uma importante vitória governista na semana passada, com a aprovação do teto de gastos que enquadra São Paulo no refinanciamento da dívida com a União.

Nesta terça, a Comissão de Finanças adiou pela segunda vez consecutiva, para esta quarta (20), a leitura e a votação do relatório do orçamento de 2018 de autoria do tucano Marco Vinholi.

A perspectiva é que o orçamento –em valores absolutos, 5% maior do que o de 2017, segundo Vinholi– volte à pauta na quarta e já seja aprovado.

Sobre as contas do governador, o relator do tema na Comissão de Fiscalização, José Américo (PT), pediu para suspender a tramitação até que o Bandeirantes dê transparência às desonerações e benefícios fiscais que concede.


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