Folha de S. Paulo


Lei de imunidade faz de escritórios de advocacia 'bunkers', diz juiz

Sérgio Lima - 18.jul.2017/Divulgação/Ajufe
Roberto Veloso, presidente da Ajufe, no plenário do Senado Federal
Roberto Veloso, presidente da Ajufe, no plenário do Senado Federal

Os juízes estão preocupados com o avanço de um projeto de lei que prevê até prisão para magistrados que violarem as prerrogativas dos advogados, que são as garantias ao direito de defesa. Quem afirma é o presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais), Roberto Veloso.

Segundo ele, a proposta que tramita no Congresso é uma retaliação à Operação Lava Jato, que tem descoberto que escritórios de advocacias e departamentos jurídicos eram canais de recebimento e pagamento de propina de empresas e políticos.

O projeto de lei 8.347 foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) no último dia 5 e agora vai para a votação no plenário da Casa. O trecho mais polêmico é o sobre a inviolabilidade dos escritórios "Os escritórios de advocacia vão se transformar em verdadeiros bunkers imunes à atuação da Justiça", diz Veloso.

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Folha - Por que vocês são contra o projeto?

Roberto Veloso - Nós somos contra basicamente por conta da imunidade que ele está trazendo para os escritórios de advocacia. A proposta como ela foi aprovada lá na CCJ é um tipo penal aberto de uma norma penal em branco, porque ela remete para o estatuto da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). O projeto aprovado não é claro, então ele não deixou –e eu acredito que isso tenha acontecido– os parlamentares serem esclarecidos pelo real teor, o real alcance da lei, caso ela venha a ser aprovada. Veja, uma prerrogativa que está sendo criminalizada é o item dois do artigo sete do estatuto da OAB: "a inviolabilidade do seu escritório e seu local de trabalho bem como seus instrumentos de trabalho e suas correspondências escritas, eletrônicas, telefônicas e telemáticas, desde que relativas ao exercício da advocacia".

Então vou dar um exemplo: nós estamos agora com esses presídios federais onde se constatou que não são totalmente isentos à ação das facções criminosas. Por quê? Porque existem duas falhas. Uma é a visita íntima, ali o chefe da facção, ele está dando ordens. E a outra é a entrevista com os advogados. Então o advogado pode dizer assim: eu estou no exercício da minha profissão. É um direito do preso ser entrevistado pelo seu advogado. Mas o advogado não está lá em determinadas situações para prestar um serviço jurídico, mas sim para transmitir ordens. Por esse dispositivo o juiz não poderá decretar a interceptação telefônica do advogado. Não poderá porque ele está no exercício da advocacia?

Mas nesse caso o advogado não está no exercício da advocacia.

Por isso que nós estamos contra o projeto. Porque o projeto não faz essa ressalva. O projeto não distingue o joio do trigo. Nós tentamos aprovar essa ressalva durante a tramitação na CCJ para colocar o que nós chamamos de dolo específico, que é que o juiz só cometeria crime se ele tivesse o objetivo, a finalidade de prejudicar o advogado. Nós tentamos incluir esse dispositivo, mas não conseguimos porque a OAB disse que teria que voltar para o Senado e eles não queriam que o projeto voltasse para o Senado. Nós queríamos que houvesse uma salvaguarda para os juízes.

Vocês reclamam que não foram chamados para debater a matéria.

Não fomos chamados para o debate da matéria. Intimamente o que eu acho é que isso se trata de uma retaliação à Lava Jato, às investigações. Já houve vários casos em que advogados estavam usando de expedientes não republicanos na defesa de seus clientes, eles terminaram sendo investigados pela polícia e agora é uma resposta que se dá a essas investigações, principalmente da advocacia criminal. Nós tentamos incluir a seguinte redação: "violar intencionalmente o direito à prerrogativa do advogado com o fim de prejudicar o direito de defesa do advogado e do seu cliente, em benefício próprio e de terceiros". Nós tentamos colocar essa redação, mas não foi possível. O tipo penal ficou só "violar as prerrogativas dos advogados estabelecidas no artigo sétimo incisos um a sete da OAB".

É uma medida de retaliação à Lava Jato?

Eu diria mais. É impedimento de investigação. É além da retaliação. É uma resposta, digamos assim. Ela vai além da retaliação, porque ela impedirá (a investigação). Ou seja os escritórios de advocacia vão se transformar em verdadeiros bunkers imunes à atuação da Justiça. A Justiça não vai poder entrar. Algo assim é impensável. Não existe isso (alguém imune à Justiça). Agora, dar imunidade aos escritórios de advocacia? Isso nenhuma categoria tem. Os juízes não têm, os parlamentares não têm, os governadores não têm, os prefeitos não têm, nenhuma categoria tem. É essa a preocupação que nós temos. Então, isso realmente é muito preocupante porque pode gerar o paraíso para as práticas de crimes.

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RAIO-X

IDADE
54

NATURALIDADE
Teresina-PI

NA ACADEMIA
Tem mestrado e doutorado pela Universidade Federal de Pernambuco

CARREIRA
Foi promotor e juiz eleitoral no Piauí e no Maranhão


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