Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Convenção que presidente Temer celebra hesitou sobre escravidão

Pioneira e enfática na defesa da transformação do Brasil em uma república, a Convenção de Itu, agora homenageada por Michel Temer, pisou em ovos sobre outro tema quente daquele 1873: a libertação dos escravos.

Reunidos na casa de um fazendeiro da cidade, 133 republicanos, entre os quais o futuro presidente Campos Sales, lançaram manifesto em que atacavam a hipótese de um Terceiro Reinado e cobravam um sistema federativo de governo. Foi a base inaugural do Partido Republicano Paulista (PRP).

O terceiro tópico tratado pelo grupo, a abolição da escravatura, mereceu tom menos categórico. "[A questão da abolição] não nos pertence exclusivamente porque é social e político; está no domínio da opinião nacional e é de todos os partidos, e dos monarquistas mais, do que nossa, porque compete aos que estão no poder ou aos que pretendem apanhá-lo amanhã estabelecer os meios de seu desfecho positivo."

Em seguida, o documento acrescenta que os republicanos defendem "direitos adquiridos" e indenização aos donos de escravos. E afirma: "Em respeito ao princípio da união federativa, cada província realizará a reforma de acordo com seus interesses peculiares, mais ou menos lentamente, conforme a maior ou menor facilidade na substituição do trabalho escravo pelo livre".

O conservadorismo na abordagem do tema se explica pela composição do grupo reunido em Itu: 78 dos 133 convencionais eram produtores rurais, muitos dos quais beneficiários da mão de obra cativa. Quatro em dez habitantes de Itu eram escravos.

A convenção não foi o primeiro ato republicano brasileiro —um clube em defesa da causa foi fundado em 1870 no Rio. Mas a repercussão foi tímida e o manifesto carioca mereceu pouco caso até de dom Pedro 2º. "Ora, se os brasileiros não me quiserem para seu imperador, irei ser professor", teria reagido o monarca.

Embora não inédita, a iniciativa no interior de São Paulo, desta vez referendada pelos emergentes cafeicultores do Estado, deu peso político e econômico ao movimento republicano. A causa multiplicou seus apoios públicos pelo país, mas seguiu ruim de votos, em parte devido ao sistema eleitoral fraudulento do Império. A vitória sobre a monarquia, com o golpe de 15 de novembro de 1889, só viria com o apoio do Exército.

Com a República, o PRP enfim virou protagonista, dominando a política nacional até a Revolução de 1930.


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