Folha de S. Paulo


Áudio sugere que JBS deu sinal para Funaro fechar acordo de delação

Lula Marques - 28.abr.2010/Folhapress
BRASÍLIA, DF, BRASIL 28-04-2010 13h40: A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs, no Senado Federal, ouve Lúcio Bolonha Funaro (foto), corretor de câmbio que intermediou operações para dirigentes da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop). Local: Sala 2 da Ala Nilo Coelho. Politica. Foto: Lula Marques / Folha imagem. *** FOTO EM ARTE E NÃO INDEXADA ***
O corretor de valores Lúcio Funaro em depoimento a CPI em 2010

O advogado e delator da JBS Francisco de Assis e Silva também gravou um dos advogados do operador Lúcio Funaro, o criminalista Cezar Bitencourt, no mês de maio, às vésperas de a delação de Joesley Batista se tornar pública. O diálogo sugere que houve uma sinalização da JBS para Funaro de que a colaboração da empresa estava sendo feita.

A conversa dá a entender também que eles falavam sobre o pacto de silêncio que havia entre o operador preso e Joesley, fato que foi admitido por ambos em suas colaborações premiadas.

Eles admitem em delação terem feito uma espécie de combinação. Em ação controlada, autorizada pela Justiça, o executivo Ricardo Saud é gravado repassando dinheiro para a irmã do operador, Roberta Funaro, como prova de uma "compra do silêncio".

Bitencourt se encontrou com Assis e Silva na semana do dia 12 de maio acompanhado de um outro cliente, Mario Celso Lopes, um ex-sócio da J&F na Eldorado Celulose, com quem o Ministério Público chegou a tentar uma colaboração premiada.

A Eldorado é uma das investigadas na operação Greenfield, coordenada pela Procuradoria do Distrito Federal.

O áudio tem cerca de 30 minutos e os três discutem na maior parte do tempo a situação de Lopes, que teve bens bloqueados e alegava dificuldades financeiras.

No final, o assunto de Funaro vem à tona. Primeiro, Bitencourt diz que o operador havia mandado dizer a Assis e Silva, quando soube que se encontrariam, que "combinado é combinado" e que contava com a JBS, que poderiam também continuar contando com ele.

Em seguida, Assis e Silva avisa: "Cada um tem que seguir a sua. Ele [Funaro] está preso, o Joesley está próximo de ser preso, então pode falar pra ele assim: que cada um siga seu caminho. Não tem mais combinado, tá? Pode dizer pra ele, não tem mais combinado, porque não dá pra manter mais nenhum combinado".

Bitencourt dá prosseguimento à conversa: "Não dá pra aguentar?". E o já delator da JBS responde: "Não dá pra aguentar".

Em março, em outro áudio, revelado pela coluna Painel, quando acabara de assinar um pré-acordo da colaboração com a PGR, Assis e Silva disse que deveriam "no momento certo" dar um sinal para Funaro "pular dentro" da delação e "fechar a tampa".

A nova gravação feita por Assis e Silva, inédita, foi encontrada pela Polícia Federal em um dos gravadores usados por Joesley para gravar políticos e outras pessoas.

O arquivo, no entanto, nunca chegou a ser entregue para a Procuradoria.

Bitencourt deixou a defesa de Funaro em 7 de junho, alegando conflito por ter entrado na defesa de Rodrigo Rocha Loures, ex-assessor de Michel Temer, gravador carregando uma mala de dinheiro entregue pela JBS.

O pacto de silêncio admitido por Funaro e Joesley é um dos elementos que embasam a segunda denúncia apresentada pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot contra o presidente por obstrução de Justiça.

Na interpretação de Janot, o presidente deu aval para Joesley continuar mandando dinheiro ao operador quando na gravação de que foi alvo no Palácio do Jaburu, em março, respondeu "tem de manter isso, viu?". Temer nega.

A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) deve votar o parecer contrário ao seguimento da denúncia até quarta-feira (18). Depois, o caso é levado para o plenário da Câmara. Os deputados barraram a primeira denúncia contra o presidente.

OUTRO LADO

Procurado, o advogado Cézar Bitencourt disse à Folha que repassou os recados de seu cliente para o advogado da JBS e vice-versa, mas afirmou que não tinha conhecimento do que se tratava o assunto e sobre qual "combinado" estavam falando.

Ele declarou ainda que participou da reunião porque estava com seu cliente Mario Celso Lopes e que a conversa nunca poderia se tornar pública por ter sigilo profissional. O advogado disse que não sabia que estava sendo gravado.

Bitencourt afirmou também que não chegou a trabalhar como advogado de Funaro, com quem manteve conversas por um período de cerca de um mês. "Foram só as primeiras conversas e nem recebi nada de honorários! Em suma, nem cheguei ser defensor dele!"

Procurado, Francisco de Assis e Silva disse se lembrar do encontro, mas não se recordar de ter gravado e não saber também se a gravação encontrada é realmente dele. Afirmou ainda que não levou o caso para a Procuradoria por não ter visto nenhum crime na conversa.

A JBS também foi procurada, mas não respondeu até a conclusão deste texto.

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O SEGREDO DA DELAÇÃO
Colaboração de Lúcio Funaro se tornou pública antes de o Supremo autorizar

5.set - O ministro do Supremo Edson Fachin homologa o acordo e o mantém sob sigilo

14.set - Rodrigo Janot, então procurador-geral da República, denuncia Michel Temer e cúpula do PMDB com base em delações, entre elas a de Funaro

21.set- A denúncia chega na Câmara dos Deputados (inicialmente na secretaria da Casa) com todos os arquivos e anexos, mesmos aqueles sigilosos

26.set - O material é remetido à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, colegiado que julgará a acusação da PGR

13.out - A Folha divulga em seu site vídeos de depoimentos de Funaro

14.out - Advogado de Temer classifica de "vazamento criminoso" a divulgação. Descobre-se que os vídeos estão disponíveis no site da Câmara desde setembro. Fachin afirma que a delação ainda está sob sigilo e que material não deveria ter sido divulgado. Presidente da Câmara, Rodrigo Maia diz que tribunal não pediu a manutenção do segredo das gravações


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