Folha de S. Paulo


Aparecida é padroeira de um país cada vez menos devoto a santos

Com 300 anos de veneração celebrados nesta quinta-feira (12), Nossa Senhora Aparecida é reconhecida como padroeira de um Brasil cada vez menos devoto a santos.

No país, 38% cultuam uma ou mais dessas figuras tidas como sacras para o catolicismo, segundo novo levantamento do Datafolha. Há dez anos, quando o instituto abordou o assunto pela primeira vez, metade dos brasileiros (49%) afirmava ter um "santinho" para chamar de seu.

Aparecida, 300
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Imagens de nossa senhora

Quando Getúlio Vargas oficializou, em 1931, Aparecida como patrona nacional, era difícil esbarrar com um brasileiro que não se dissesse católico –no Censo que o IBGE fez nove anos depois, foi a religião declarada por 95% do povo.

O santo já não é tão forte no Brasil de 2017, onde o número de católicos despencou para 52%, conforme Datafolha realizado em 27 e 28 de setembro, com 2.772 entrevistados de 194 cidades. Na contramão vêm os os evangélicos, que galgaram de 2,6% no levantamento de 1940 para os atuais 32%.

E evangélicos, via de regra, não creem em santos nem nas suas imagens, por levarem ao pé da letra o mandamento atribuído a Deus pela Bíblia "não farás para ti ídolo de escultura".

Exemplo deu o apóstolo Agenor Duque (Igreja Plenitude do Trono de Deus), que em culto recente usou uma Coca-Cola para zombar da veneração a santos –citando um salmo bíblico que critica "ídolos" feitos pelas "mãos dos homens", deu a entender que a garrafa PET simbolizava uma santa ("a boca dela não fala, o ouvido dela não ouve") que jamais se equivaleria a Jesus Cristo, "o Senhor e salvador".

A escalada evangélica não basta para explicar por que santos já não são tão populares no Brasil. É preciso levar em conta o "desengajamento religioso admitido por parte da população", diz o professor de sociologia da USP Ricardo Mariano.

Ele não se refere necessariamente a quem não crê em Deus –e 98% dos brasileiros dizem acreditar, segundo o Datafolha. "Não quer dizer que esse grupo seja descrente, só que não tem filiação religiosa" (caso de 8% da população, contra 0,46% no Censo de 1940).

Para o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, mais do que a "ameaça" evangélica, católicos deveriam ver na pesquisa uma amostra do "processo de secularização da nossa sociedade" e também de "fragmentação do cristianismo". Antes, "todo mundo se dizia católico por falta de opção". Agora, não: o menu cristão se ampliou, diz Borba.

E perde terreno também o "catolicismo popular", experiência típica do sincretismo religioso e nem sempre alinhada às diretrizes do Vaticano, diz Mariano –imagine a senhorinha que vai à Igreja Universal, consulta uma mãe de santo e paga promessa à Nossa Senhora Aparecida.

"Nas últimas décadas, o pentencostalismo começa a ganhar um espaço tradicionalmente ocupado" por esse catolicismo à brasileira.

O Datafolha revela que a proporção católica cresce entre os mais velhos (64%), nordestinos (62%) e em municípios com até 50 mil habitantes (61%). Pequenos centros urbanos são mais devotos: neles, 44% têm um santo de preferência, e em grandes cidades, 33%.

EVANGÉLICOS EM ALTA, CATÓLICOS EM BAIXA - Religião no Brasil nos últimos 145 anos

APARECIDA É POP

Uma coisa não mudou de 2007 para cá: Aparecida é pop.

Entre os que veneram santos, a padroeira do Brasil é disparado a preferida, citada espontaneamente por 19% dos entrevistados. Num distante segundo lugar empatam São Jorge e Santo Antônio, com 2% de menções para cada. Em 2007, Aparecida detinha popularidade similar (18%).

Para o padre João Batista de Almeida, reitor do Santuário Nacional de Aparecida, o papel da "santinha" num Brasil aperreado por crises de ordem política, econômica e moral, continua central. "Pela figura materna que ela simboliza. O povo tem carência de alguém que dê colo neste mundo doido onde a gente vive."

Nossa Senhora Aparecida e o Papa Francisco
Dom Damasceno, Dom Cláudio Hummes
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Em 2007, a Igreja Católica lançou o "Documento de Aparecida", que fala num "contexto mutante" em que "a aceleração das transformações sociais [...] nos induz a pensar que toda tentativa de resposta já é uma ação caduca", diz o livro "Nossa Senhora Aparecida e o Papa Francisco" (Planeta), coassinado por dom Raymundo Damasceno e dom Cláudio Hummes.

Bispo emérito de Aparecida (SP), dom Raymundo afirma à Folha que a Igreja deve reagir aos "novos desafios" inovando também em seus "métodos e linguagens". Em 2012, Bento 16 virou o primeiro papa tuiteiro.

Luciano Veronezi/Editoria de Arte/Folhapress
datfolha

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