Folha de S. Paulo


Especialistas relacionam crise e tendência autoritária no país

Karime Xavier/Folhapress
Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, durante lançamento de pesquisa sobre autoritarismo no Brasil
Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, durante lançamento de pesquisa sobre autoritarismo no Brasil

O país precisa de uma agenda pública mais eficiente para enfrentar um quadro de descrença nos valores democráticos e nos direitos civis, avaliaram pesquisadores durante debate em São Paulo na tarde desta sexta (6).

O evento apresentou um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Instituto Datafolha acerca de tendências autoritárias percebidas na população.

Estiveram presentes Renato Sérgio de Lima e James Ferreira Moura Junior, do fórum de segurança, e os professores Sérgio Adorno (USP), Fernando Abrucio (FGV) e Maria José Tonelli (FGV).

Inédita em escala nacional, a pesquisa apontou que, numa escala de zero a dez, a sociedade brasileira atinge o elevado índice de 8,1 na propensão a endossar posições autoritárias.

O índice foi elaborado a partir do grau de concordância dos entrevistados em relação a afirmações como "pobreza é consequência da falta de vontade de querer trabalhar" e "a obediência e o respeito à autoridade são as principais virtudes que devemos ensinar para nossas crianças".

Nas divisões entre variáveis, verificou-se que a tendência autoritária é mais acentuada entre os menos escolarizados e os de menor renda, por exemplo.

"Precisamos fazer uma análise mais clara de algumas questões", ponderou o sociólogo Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

"Algumas respostas estão mais ligadas ao conservadorismo do que ao autoritarismo. Não dá para falar que a cultura no Brasil é autoritária. Nós temos tendências autoritárias que convivem com uma sociedade democrática."

Ele afirmou que o cenário atual de múltiplas crises (política, econômica, institucional) deve ser levado em conta na leitura do estudo.

Quando as políticas públicas fraquejam, disse, as pessoas passam a desconfiar das instituições e adotam discursos mais radicais.

O cientista social Fernando Abrucio apontou um dado curioso da pesquisa: o fato de a faixa de jovens de 16 a 24 anos apresentar maior inclinação autoritária que as duas subsequentes (25 a 34 e 35 a 44 anos).

"A sociedade que abriu uma enorme possibilidade na era da informação gerou uma juventude que quer pedir ordem. Precisamos estudar mais essa juventude. Antes de julgar, é importante entender o que está levando a isso."

Ele destacou o papel da educação nesse contexto.

"Se quisermos diminuir o alto índice apontado na pesquisa, devemos fazer com que as políticas públicas deem certo. Isso importa. E a educação faz uma grande diferença."

MEDO

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Datafolha também questionaram os entrevistados sobre o receio que possuem de sofrer atos de violência, como roubos, assaltos e agressões sexuais.

O resultado foi um índice em que zero é a ausência de medo e 1 é o medo de sofrer todos os tipos de violência descritos aos entrevistados.

Numa média de 0,68, têm-se que mesmo os 25% dos brasileiros que menos sentem medo obtiveram índice de 0,5, enquanto aqueles 25% que mais sentem medo da violência atingiram 0,94.

Ou seja, não há no país quem não tenha medo razoável. As correlações apontam que quem tem mais medo tende a ser mais autoritário.

Na análise de Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum, isso cria um terreno fértil para líderes autoritários.

Diante do medo provocado pela violência urbana, a maioria deixa de lado as leis e os planos políticos em busca de um salvador da pátria.

"Ou interditamos essa tendência, investindo em educação, ou cairemos numa situação de retrocesso politico e institucional muito grande."


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