Folha de S. Paulo


ANÁLISE

No caso Aécio, é certo atribuir ao Senado o papel de juiz?

Senador em pleno exercício do mandato, e líder do governo na época, o petista Delcídio do Amaral foi preso por ordem do Supremo Tribunal Federal em novembro de 2015.

Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi afastado pelo STF, em votação unânime, seis meses depois. Terminou cassado pela própria Câmara em setembro de 2016, e preso no mês seguinte.

Seria diferente o caso de Aécio Neves (PSDB-MG)? Há quem sugira que defender o mandato do senador tucano, hoje, seria seguir dois pesos e duas medidas; Delcídio não tinha tanto poder e costas quentes quanto Aécio Neves. Os casos, entretanto, são bem diferentes.

Delcídio foi flagrado em conversas que justificavam sua prisão imediata. Combinava claramente a fuga de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras envolvido na Lava Jato, a ponto de discutir qual a melhor rota (Venezuela ou Paraguai) e que modelo de avião era o mais indicado.

Tratava-se de tentativa de obstrução de justiça. É sensato supor que, se não fosse preso preventivamente, Delcídio poderia conseguir o seu intento —evitando as delações de Cerveró.

Quanto ao deputado Eduardo Cunha, ele já era réu em processo criminal —coisa que não acontece com o presidente Michel Temer, por exemplo—, e o raciocínio do Supremo foi o de que ninguém na linha de sucessão presidencial pode ser, ao mesmo tempo, objeto de ações judiciais desse tipo.

E Aécio? A primeira diferença é que o senador tucano não é, ainda, réu em nenhuma ação criminal.

O STF não votou, não aceitou, nenhuma denúncia contra ele.

A segunda diferença é que, por 3 votos a 2, a primeira turma do STF decidiu que os indícios contra o tucano não eram suficientes para decretar sua prisão pura e simples. Bastariam providências mais brandas, como o afastamento do cargo, a proibição de que Aécio saia de casa durante a noite ou entre em contato com envolvidos na Lava Jato.

Em tese, se o Supremo pode tomar uma medida extrema —a prisão em flagrante, como no caso de Delcídio—, poderia tomar uma medida menos radical. O problema —um dos problemas— é que medidas intermediárias (como essa espécie de prisão domiciliar) não estão previstas na Constituição. Seria possível utilizar dispositivos de uma lei inferior, o Código de Processo Penal, para resolver o caso?

Em terceiro lugar, as evidências contra Aécio Neves são sem dúvida menos graves do que as apontadas contra Delcídio. Sim, o tucano pediu R$ 2 milhões para Joesley Batista, da JBS, alegando posteriormente que se tratava de um "empréstimo"; cabe julgar, naturalmente, se se trata ou não de propina.

Obstrução de justiça? A Procuradoria-Geral da República pediu o afastamento de Aécio em função das conversas que teve a respeito de projetos de lei sobre anistia ao caixa 2 e reclamando da atuação do ministro da Justiça na nomeação de delegados da Polícia Federal.

O pedido tinha sido aceito pelo ministro Edson Fachin, sendo posteriormente recusado por seu colega Marco Aurélio Mello —que terminou derrotado, junto com Alexandre de Moraes, na Primeira Turma.

Todos parecem de acordo, entretanto, que o caso de Aécio é menos grave que o de Delcídio. Mas será correto atribuir ao Senado o papel de juiz, avaliando a culpa de um e de outro? Por outro lado, é aceitável que, sem motivo gravíssimo e sem flagrante, uma maioria de três ministros contra dois determine punições contra um senador, sem exame do plenário da corte?


Endereço da página:

Links no texto: