Folha de S. Paulo


Advogado vai ao STF defender liberação de candidatura sem partido

Desiludido com os partidos políticos, o advogado Rodrigo Mezzomo, 47, adotou a causa das candidaturas independentes no Brasil.

Em 2016, tentou se candidatar, sem filiação partidária, à Prefeitura do Rio de Janeiro. Acabou barrado pela Justiça Eleitoral.

Em junho deste ano, o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal, que deverá analisar o mérito nesta quarta (4). Uma decisão favorável ao advogado abriria brecha para que não filiados de todo o país disputassem eleições.

O veto no país aos candidatos sem partido remonta a um decreto-lei de 1945, no final da ditadura de Getúlio Vargas. Trata-se de um modelo raro no mundo (veja mais detalhes abaixo).

Mezzomo também recorreu à OEA (Organização dos Estados Americanos) contra a proibição, alegando que o Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, que não prevê a vinculação partidária como requisito para ser votado.

Ricardo Borges/Folhapress
O advogado Rodrigo Mezzomo em seu escritório no Rio
O advogado Rodrigo Mezzomo em seu escritório no Rio

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Folha - O senhor já foi filiado ao PSDB e ao Novo. Por que resolveu defender as candidaturas independentes?
Rodrigo Mezzomo - Porque os partidos apodreceram. Trata-se de um ambiente hostil, sem democracia interna, em que o domínio dos caciques é soberano. Quem não faz parte da cúpula não recebe nenhum apoio, não tem chance alguma. A candidatura já nasce fadada ao fracasso.

Quais as vantagens do modelo de candidaturas avulsas?
Em primeiro lugar, o respeito à liberdade individual e à democracia. A mudança é vital para fortalecer nossa democracia. E há, ainda, um efeito ético sobre o sistema como um todo. Os independentes quebram o monopólio dos partidos, levando-os a agir com maior transparência.

Quais são as chances no STF?
Estou muito otimista. Desde 1988, verifica-se no Supremo Tribunal Federal um arco de decisões ampliando os direitos individuais.

E perceba que a Constituição de 1988 não proíbe expressamente a candidatura independente. Simplesmente diz que a filiação partidária é uma das condições de elegibilidade. É uma questão de interpretação.

A Constituição, por exemplo, diz que família é uma união de homem e mulher. O STF, porém, compatibilizou esse dispositivo com outros, chegando a uma interpretação de que a união de pessoas do mesmo sexo também deveria ser reconhecida.

O senhor também denunciou o Brasil à OEA.
A Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, não veta os independentes. Há um caso precedente, o da Nicarágua. Lá também não se permitia a candidatura avulsa. O caso foi analisado pela OEA e a Nicarágua acabou condenada, teve que alterar sua legislação.

Mas a convenção se sobrepõe à Constituição?
Não é que se sobreponha, mas é preciso haver uma compatibilização. Trata-se de um tratado internacional de direitos humanos. A Constituição brasileira determina que o país respeitará os tratados internacionais.

O Brasil não pode negar a vigência de um tratado dizendo que nossa legislação o proíbe. Como não fizemos ressalvas ao pacto quando ele foi assinado, ele deve ser cumprido agora.

É possível abrir mão dos partidos em uma democracia?
Não, no mundo inteiro os partidos são importantes. A candidatura avulsa não pretende aniquilar as legendas, mas sim aprimorá-las. Precisamos de partidos melhores.

Alega-se que as candidaturas independentes poderiam acarretar efeitos nocivos, como a excessiva personalização da política e o enfraquecimento das siglas.
São argumentos ridículos. O personalismo sempre existirá. E os partidos já estão debilitados. A possibilidade de candidaturas avulsas seria uma saída para melhorar nossa democracia.

Liberar os independentes exigiria mudanças drástica nas regras eleitorais, já que a distribuição de cadeiras no Legislativo leva em conta as legendas e coligações?
Não, não creio. A mudança funcionaria mesmo no atual modelo. Basta aplicar o quociente eleitoral ao independente, do mesmo modo como ocorre com os partidos. Quem atingir essa marca está dentro; quem não atingir, está fora.

Esse modelo não acabaria favorecendo os famosos e ricos, já que os avulsos não teriam acesso a verbas do fundo partidário para suas campanhas?
Isso já ocorre, independente do modelo. As celebridades sempre terão, em tese, vantagem. O que nós precisamos é acabar com todo tipo de financiamento público aos partidos. Isso ajudaria a reduzir o número de siglas. Sobrariam apenas as com alguma consistência. A política deve ser pautada por ideias, não por recursos.

O grande número de partidos no Congresso é apontado como um dos fatores da atual crise brasileira. Abrir as portas aos independentes não poderia acentuar esse problema?
Isso é decorrente de nosso modelo de presidencialismo. Os candidatos avulsos seriam a chance de renovar o Congresso. Isso não ocorrerá no atual sistema. O atual sistema nos trouxe até o caos.

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OS INDEPENDENTES
Brasil é dos raros países a vetar candidatos sem partido

No mundo
De acordo com o projeto intergovernamental ACE, apenas 21 países exigem que os candidatos sejam vinculados a partidos. Além do Brasil, são exemplos Argentina, Uruguai e Camboja

No Brasil
Decreto-lei de maio de 1945, no final da ditadura de Getúlio Vargas, proíbe as candidaturas avulsas no país. A Constituição de 1988 lista a filiação partidária entre as condições de elegibilidade.
No entanto, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o país é signatário, não cita a vinculação como necessária

Vantagens

# Pode promover maior renovação na cena política ao estimular a participação mais ampla da sociedade

# Forçaria os partidos políticos a serem mais democráticos e transparentes, uma vez que haveria maior concorrência

Desvantagens

# Contribuiria para acentuar a crise dos partidos

# Estimularia a personalização da política, o que favoreceria os famosos e ricos

Independentes vitoriosos

¶ Emmanuel Macron
presidente da França

¶ Alexander van der Bellen
presidente da Áustria

¶ Yuriko Koike
governadora de Tóquio


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