Folha de S. Paulo


Delator da JBS relata orientação de Miller ao preparar acordo de delação

Reprodução
Depoimento do delator Ricardo Saud, da empresa JBS
Ricardo Saud, um dos delatores do grupo J&F, que controla a JBS

O delator Ricardo Saud, executivo do grupo J&F, que controla a JBS, relatou em depoimento à PGR (Procuradoria-Geral da República), prestado na quinta-feira (7), que recebeu orientação do ex-procurador Marcello Miller durante a elaboração do acordo de delação premiada da empresa.

Miller foi auxiliar do procurador-geral, Rodrigo Janot, até meados do ano passado, quando voltou a trabalhar na Procuradoria no Rio de Janeiro. Em 5 de abril, ele foi exonerado do Ministério Público Federal e passou a advogar no escritório Trench Rossi Watanabe, que negociou o acordo de leniência (de pessoa jurídica) do grupo J&F.

"Marcello Miller ajudou a mostrar o caminho para passar 'do lado do bem' para não passar o resto da vida como 'bandido'. [Saud] mostrou os anexos a Marcello Miller e ele disse ok", relatou o executivo, segundo o termo de depoimento.

Saud disse que esteve "quatro vezes com Miller, sempre este sem nenhum advogado; que nem sabe o que é leniência [espécie de delação premiada para pessoas jurídicas], tratou apenas sobre colaboração premiada, portanto não participou das negociações da leniência".

Ainda segundo o depoimento, Saud contou a Miller sobre um encontro que teve com o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que havia sido gravado, e sobre outras gravações que pretendia fazer –tudo isso antes de o acordo de delação ser fechado com a PGR.

"[Saud afirmou] que disse a Marcello Miller que gravaria o [senador] Ciro Nogueira (...); que disse a Marcello Miller que gravou José Eduardo Cardozo; (...) que Marcello Miller disse que aquilo daria cadeia, que iriam para cima dele, depoente, e José Eduardo Cardozo; que depois dessa conversa Marcello Miller saiu da sala e estava mandando mensagens no celular; que achou isso estranho, o fato de mandar mensagens logo após essa conversa; que não mostrou a gravação de José Eduardo Cardozo a Marcello Miller, apenas mostrou um pen drive", diz trecho do depoimento.

'EXPLORAÇÃO DE PRESTÍGIO'

Ao pedir a prisão do ex-procurador e dos delatores Saud e Joesley Batista, dono da JBS, a PGR destacou que há "indicativo de que Marcello Miller, ainda na condição de procurador da República, teria, em princípio, ajudado os colaboradores a filtrar informações, escamotear fatos e provas e ajustar depoimentos e declarações, em benefício de terceiros que poderiam estar inseridos no grupo criminoso [formado pelos delatores]".

Na última quarta (6), o escritório Trench Rossi Watanabe respondeu a uma solicitação de informações feita pela PGR e encaminhou documentação interna a Janot.

"Entre os documentos apresentados constam elementos de que, antes de março do corrente ano, Marcello Miller já auxiliava o grupo J&F no que toca o acordo de leniência firmado pela empresa com o Ministério Público Federal. Há, por exemplo, trocas de e-mails entre Marcello Miller e advogada do mencionado escritório, em época em que [ele] ainda ocupava o cargo de procurador da República, com marcações de voos para reuniões, referências a orientações à empresa J&F e indícios de tratativas em benefícios à mencionada empresa", escreveu Janot no pedido de prisão.

Para a PGR, há indícios de que Miller tenha cometido o crime de exploração de prestígio, além da possibilidade de ter sido cooptado pela organização criminosa composta pelos executivos da JBS, "passando, em princípio, a integrá-la".

Joesley e Saud tiveram prisão decretada pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin. O pedido de prisão de Miller foi negado pelo ministro.

Neste domingo (10), Miller divulgou nota em que afirmou que "jamais fez jogo duplo ou agiu contra a lei".


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