Folha de S. Paulo


Cunha diz em carta que Fachin obstrui julgamento de habeas corpus no STF

Heuler Andrey - 20.out.2016/AFP
Após noite na carceragem da Polícia Federal, Eduardo Cunha chega ao IML de Curitiba
O ex-deputado Eduardo Cunha durante transferência ao IML de Curitiba

Com dificuldades na negociação de sua delação premiada, o ex-deputado Eduardo Cunha abriu uma ofensiva contra o relator da Lava Jato no STF (Supremo Tribunal Federal), Edson Fachin. Ele acusa o ministro de obstruir pedidos de liberdade e beneficiar executivos da JBS.

Em nota escrita no complexo penal em que está preso, Cunha relata que Joesley Batista e Ricardo Saud, da JBS, pediram ajuda para aprovar o nome de Fachin para o STF, em 2015, e que disseram manter "relação de amizade" com o então candidato.

"Quando Joesley Batista e Ricardo Saud me procuraram para ajudar na aprovação [de] Fachin, além da relação de amizade que declararam ter com ele, me passaram a convicção de que o país iria ganhar com a atuação de um ministro que daria a assistência jurisdicional de que a sociedade necessitava."

O ex-presidente da Câmara alega que Fachin concedeu "assistência célere e eficiente" aos donos da JBS, "que em apenas três dias conseguiram homologar um acordo vergonhoso, onde ficaram livres, impunes e ricos".

Fachin já afirmou que não contou "com o auxílio de qualquer empresa ou grupo em seu processo de indicação" e que "qualquer insinuação neste sentido é inaceitável". A JBS não comentou as declarações de Cunha que ligam o grupo ao ministro.

Na nota entregue a aliados na semana passada, o ex-deputado afirma que o ministro se recusa a pautar pedidos de habeas corpus da Lava Jato desde que a 2ª turma do STF decidiu libertar o ex-ministro José Dirceu, em maio.

Para Cunha, Fachin age "como uma criança que perde e leva a sua bola para casa, acabando com o jogo".

Com poucas esperanças de obter os benefícios da delação, Cunha passou a apostar que o STF poderia tirá-lo da prisão, assim como ocorreu com Dirceu. Ele reclama, porém, que o relator não leva seus pedidos a julgamento.

"O que eu gostaria [...] é ter o direito ao julgamento e não ser vítima de uma obstrução da Justiça", afirma.

Procurado pela Folha, o gabinete de Fachin afirmou que Cunha já teve dois pedidos negados pelo relator da Lava Jato em decisões liminares e que apenas dois recursos aguardam julgamento.

A assessoria do ministro disse ainda que, entre maio e agosto, foram julgados na 2ª turma do STF mais de dez habeas corpus de relatoria de Fachin, e que o colegiado aprecia rotineiramente diversos temas sobre a operação.

O gabinete do ministro também informou que tem cerca de 4.600 processos e mais de cem inquéritos, e "se pauta pela ordem estritamente jurídica e regimental, sem qualquer distinção".

ESTRATÉGIA

O ex-presidente da Câmara abriu negociações com a PGR (Procuradoria-Geral da República) para delatar empresários e políticos, mas as tratativas foram suspensas devido à falta de consistência de seus relatos. Ele está preso desde outubro de 2016 e já foi condenado a 15 anos e quatro meses de reclusão pelo juiz Sérgio Moro.

No texto escrito da prisão, Cunha ironiza as possibilidades de apelo judicial e diz que recorrerá ao papa, "apesar de ser evangélico e não acreditar que o papa é o representante de Deus na Terra".

O ex-deputado critica ainda a prisão preventiva decretada contra ele por Fachin a partir da delação da JBS.

"Alguém ligado a mim saiu carregando alguma mala monitorada? Se até quem carregou a mala foi solto, por que continuo preso?", pergunta, em referência a aliados do presidente Michel Temer e do senador Aécio Neves (PSDB).

O gabinete de Fachin afirma que há recurso pendente de julgamento nesse caso, mas observa que recaem sobre Cunha outras ordens de prisão, "proferidas por juízos e instâncias diversos".

Leia a nota na íntegra:

Recurso ao papa

Apesar de ser evangélico e não acreditar que o papa é o representante de Deus na Terra, tenho de me render ao ditado popular e, quando não se tem mais a quem recorrer, recorra ao bispo ou ao papa. Como o papa é mais graduado, ficarei com ele.

No último dia 2 de maio, foi julgado o habeas corpus de Jose Dirceu na segunda turma do STF e contra a vontade e o voto do relator, ministro Edson Fachin, foi libertado Dirceu.

A partir desse momento, como uma criança que perde e leva a sua bola para casa acabando com o jogo, o ministro não pautou mais nenhum HC [habeas corpus] na turma. Ainda levou o HC de Palocci para o pleno do STF, sem pautá-lo, levando inclusive Palocci a impetrar um HC contra o próprio ministro Fachin pedindo julgamento.

No meu caso, houve retardamento da instrução necessária onde até o pedido de informações ao juiz de Curitiba foi feito pelo correio, ao invés do pedido eletrônico. Após essa demora, o relator ainda demorou um mês para enviar ao Ministério Público, apesar de reiteradas petições de cobrança. Mesmo após tudo isso, o HC está pronto para a pauta desde junho, a exemplo de vários outros HCs de presos da Lava Jato.

No meio do caminho, me impôs nova prisão, em decorrência da delação da JBS, sem qualquer prova da acusação feita contra mim, prisão aliás que já recorri e o relator também não pauta para deliberar.

Aliás, a acusação contra mim é de receber para ficar em silêncio para não delatar, como se delatar fosse obrigação e não delatar fosse crime.

Aliás, todos dessa operação foram soltos, incluindo a família de Aécio Neves e o ex-deputado Rocha Loures. Só eu continuo com a prisão decretada nessa operação de 18 de maio.

Só como exemplo da falta de prova, alguém ligado a mim saiu carregando alguma mala monitorada? Se até quem carregou a mala foi solto, por que continuo preso?

Quando os senhores Joesley Batista e Ricardo Saud me procuraram para ajudar na aprovação do então candidato ao STF Edson Fachin, além da relação de amizade que declararam ter com ele, me passaram a convicção de que o país iria ganhar com a atuação de um ministro que daria a assistência jurisdicional de que a sociedade necessitava.

Hoje estamos vendo que a assistência célere e eficiente foi a obtida pela JBS e seus donos, onde em apenas três dias conseguiram homologar um acordo vergonhoso, onde ficaram livres, impunes e ricos.

O que eu gostaria, assim como os demais presos preventivos de forma alongada, é ter o direito ao julgamento e não ser vítima de uma obstrução da Justiça a que todos os brasileiros têm direito. Não podemos ficar reféns de uma ditadura da República de Curitiba, do estado do ministro.

Por isso, para além de uma dúvida razoável e em cognição sumária, recorro ao papa para ser julgado.


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