Folha de S. Paulo


Reforma política quer manter tudo do jeito que está, diz Dallagnol em SP

Marcelo Justo - 14.jun.2017/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 14.06.2017, 19h30: O coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, fala em palestra sobre ética na 37ª Jornada Paulista de Cirurgia Plástica, no hotel Hyat, em São Paulo.. (Foto: Marcelo Justo/Folhapress) ***PODER***
O coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, durante palestra na capital paulista

A reforma política em discussão na Câmara dos Deputados e que tem entre os principais pontos o chamado distritão e o fundo de financiamento eleitoral objetiva manter "tudo como sempre esteve", afirmou neste sábado (26) o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato.

Em palestra no 8º Congresso Internacional de Mercados Financeiro e de Capitais, Dallagnol afirmou que, como está hoje, a reforma política não será suficiente para desestimular práticas de corrupção no país.

"A reforma que está sendo proposta objetiva mudar tudo para que tudo permaneça como está", afirmou no evento, promovido pela empresa B3, em Campos do Jordão (SP). "O contexto desta reforma é um contexto em que existe uma secagem das fontes ilícitas a partir da Lava Jato."

Para ele, as propostas que foram oferecidas tendem a manter quem está lá, "a velha política no seu lugar".

"O distritão objetiva tornar as campanhas bastante caras, por meio de eleições em grandes distritos, que são os Estados, com o uso das máquinas eleitorais a que os políticos tradicionais têm acesso", disse.

Pelo distritão, apenas os candidatos com mais votos são eleitos. Hoje, os votos são computados para o candidato e para o partido dele.

Já o fundo de financiamento às campanhas, "em época de crise fiscal, colocará uma verba extraordinária nas mãos de caciques partidários, que poderão distribuir para os velhos políticos que estiveram ali por décadas".

Segundo ele, os sistemas corruptos não mudam "porque quem tem o poder de mudar as coisas não quer, porque sempre se beneficiou com isso e, se o sistema mudar, essas pessoas correm o risco de ser punidas".

Para Dallagnol, o ponto-chave da reforma política deveria ser a queda dos custos das campanhas eleitorais, para diminuir os "estímulos" para que pessoas busquem fontes de arrecadação "à margem da legalidade". Ele defendeu ainda a redução do número de partidos no país, para tornar um sistema de presidencialismo de coalizão "viável".

GILMAR

Dallagnol afirmou no evento que o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), fere o espírito da Lava Jato e coloca em risco a credibilidade da Justiça.

Dallagnol criticou decisões recentes do magistrado de soltar presos na operação.

"O que chama a atenção da postura do ministro Gilmar Mendes é uma postura que contraria o espírito da Lava Jato, que é o espírito de que todos devem ser iguais debaixo da lei", afirmou.

"O que vemos são manifestações em desacordo com regras que regem a relação com a imprensa e a suspeição e que estão nos nossos códigos dos processos penal e civil, lançando dúvidas sobre a credibilidade de toda a Justiça."

O procurador criticou ainda "mudanças de postura" do magistrado. "As posturas dele acabam desgastando a credibilidade da Justiça quando mudanças de posição são realizadas sem que ocorra uma mudança de fato, o que aparentemente aconteceu no julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE [Tribunal Superior Eleitoral] e parece acontecer agora no tocante à execução provisória da pena", disse Dallagnol.

"Observamos que a sociedade brasileira tem fome de justiça. E a mudança de posição do Supremo mata a sociedade brasileira de inanição."

Nesta semana, Gilmar Mendes concedeu habeas corpus (liberdade provisória) a um homem que estava preso depois de ser condenado por um juiz e por um tribunal. A decisão contraria a posição do próprio ministro em 2016 durante julgamento no Supremo.

O ministro também mandou soltar empresários de ônibus do Rio presos em desdobramento da Lava Jato.

PRETENSÃO POLÍTICA

No evento, Dallagnol negou que estude uma eventual candidatura política.

"Não tenho nenhuma pretensão política, mas não descarto nenhum plano de carreira para o futuro em diferentes profissões públicas ou privadas em que eu possa encontrar meio para servir a sociedade", afirmou.

Ele disse ter sido procurado por quatro partidos políticos, sem citar quais.

"Mas, por entender que isso não seria adequado, a partir da posição em que estou, que esse contato poderia ser mal-interpretado, eu decidi recusar educadamente esses quatro convites que recebi para conhecer, não para disputar eleições, nada explícito nesse sentido", ressaltou.

PARTIDOS DEMAIS

O congresso, que reúne especialistas do mercado financeiro, teve também a participação do economista Eduardo Giannetti e do senador Ronaldo Caiado (DEM-GO).

Ao defender a diminuição do número de partidos no Brasil, o economista afirmou: "Não dá para imaginar um país como o nosso com mais de quatro ou cinco partidos que de fato representam correntes de opinião relevantes na sociedade brasileira".

"Nós precisamos sair da relação entre Congresso e Executivo, que é uma relação de parasito-hospedeiro, para uma relação em que o Executivo tem no Congresso uma base de sustentação calcada em programa e acordo de propostas."

Giannetti elogiou a Lava Jato, mas afirmou que a operação "não é suficiente para a resolução dos problemas" do país.

"Se não mudarmos as regras do jogo político, se não melhorarmos a qualidade dos jogadores, o jogo vai degringolar de novo", disse. "A Lava Jato escancarou o tamanho da encrenca e o tamanho do câncer que tem no Brasil".

LULA

Eduardo Giannetti falou ainda sobre a participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2018. Segundo ele, se o petista for candidato, "é quase inevitável uma polarização extrema do processo eleitoral".

"Será o Lula versus o 'anti-Lula'. Rapidamente vai se configurar uma situação de polarização extrema", afirmou.

Ele defendeu uma solução rápida para a incerteza jurídica em torno da habilitação do ex-presidente para o pleito.

"É fundamental para a boa campanha que nós evitemos um cenário de judicialização, ou seja, a questão jurídica se o candidato poderá ou não participar da campanha esteja a todo momento voltando e comandando as atenções e o próprio debate."

Nesta sexta (25), reportagem da Folha mostrou que o recurso do ex-presidente chegou em tempo recorde ao TRF (Tribunal Regional Federal) da 4ª Região, em Porto Alegre.

Ele vê dois candidatos desempenhando esse papel de "anti-Lula": o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), e o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ).

"Com Lula candidato, a polarização é quase inevitável. Se Lula não for candidato e tivermos uma decisão rápida do órgão do Judiciário barrando a participação dele pela Lei da Ficha Limpa, vislumbro um cenário de pulverização, inclusive com candidatos se animando a participar da eleição, visto que a eleição estará muito aberta."

"O meu grande pesadelo é um segundo turno entre Lula e Bolsonaro", disse. "Será uma campanha sem diálogo, porque ficará interditado o diálogo. Não vejo isso como construtivo para marcarmos os problemas brasileiros. Será um enfrentamento sem construção, de polos que não se comunicam."

Para o senador Ronaldo Caiado, mesmo se Lula for impedido de participar da eleição, ele não estará proibido de comparecer aos palanques de candidatos.

"Eu preferiria o Lula candidato, para não criarmos no Brasil mais um [Hugo] Chávez [presidente venezuelano morto em 2013], um [Juan Domingo] Perón [ex-presidente argentino], situações que vão dificultar que o Brasil saia dessa cultura populista que foi disseminada entre a população brasileira, com o Estado sendo um gestor e capaz de resolver o problema de todos pela distribuição de dinheiro."

"Gostaria que nas eleições de 2018 pudéssemos enfrentá-lo e derrotá-lo nas urnas. Interrompemos um caminho para se chegar à Venezuela", afirmou Caiado.

A repórter viajou a convite da empresa B3


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