Folha de S. Paulo


Defesa de Cabral mira doleiros, afasta ex-assessores e deixa contradições

Geraldo Bubniak - 10.dez.2016/Agência O Globo
Ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral é levado à carceragem da PF em Curitiba
Ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral é levado à carceragem da PF em Curitiba

Nas quase três horas que falou ao juiz Marcelo Bretas em dois depoimentos na semana passada, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB) tentou se desfazer da imagem de "ladrão número um" do país. Citou Jânio Quadros, Tancredo Neves, Mário de Andrade e vaticinou: "Não matei Odete Roitman" –ao tentar mostrar não ser o culpado por tudo.

A estratégia de defesa do peemedebista buscou rondar sobre os doleiros Renato e Marcelo Chebar, principais delatores do esquema, o mesmo mistério que rondou o assassinato da personagem da novela das 20h da TV Globo no fim da década de 1980.

Os irmãos Chebar se apresentaram ao Ministério Público Federal após a prisão de Cabral, em novembro, declarando ter em seus nomes contas no exterior com cerca de US$ 100 milhões, cujo real dono era o ex-governador. Os investigadores desconheciam a informação.

A maior parte da fortuna foi repatriada e devolvida pelos próprios doleiros, em procedimento inusual, porém legal, como mostrou a Folha em fevereiro. Eles também mudaram algumas vezes a versão sobre a divisão da montanha de dinheiro em seu poder. No fim, ficaram com cerca de US$ 11 milhões, após comprovar ao MPF ter origem lícita -o restante, foi atribuído a Cabral.

"O que esses irmãos Chebar contaram é verossímil, mas não é verdadeiro. Isso é muito perigoso", declarou o ex-governador.

Ele buscou explorar o relato por vezes confuso dos irmãos para tentar se desvincular das centenas de milhões de reais que lhe são atribuídos.

Editoria de Arte/Folhapress
O esquema Cabral
O esquema Cabral

Assumiu que os dois administravam no Brasil sobras de caixa dois de campanha eleitoral de que se apropriou ao longo dos anos. Mas negou ter conta no exterior e cobrar 5% de propina sobre os contratos do Estado.

"Se os dois irmãos morrem? Imagina se vou deixar US$ 120 milhões com dois irmãos sem um documento, sem nenhuma garantia. Morreram Renato e Marcelo, passam a ser titular desta conta os filhos e herdeiros? Desconheço o modus operandi deles. Desconheço se eles têm outros clientes", disse Cabral a Bretas.

A dúvida, contudo, se aplica aos recursos no país reconhecidos por Cabral e administrados pelos irmãos. Ele não indicou qual garantia tinha de que teria posse dos recursos em caso de sumiço da dupla -também não foi questionado sobre isso.

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O esquema Cabral
O esquema Cabral

A força-tarefa da Operação Lava Jato no Rio afirma que movimentações nas contas do exterior foram feitas em favor de Cabral. Afirmam que a planilha entregue pelos doleiros de gastos de R$ 39 milhões entre 2014 e 2015 revelaram despesas que, depois, foram confirmadas como sendo do político.

Procuradores dizem ainda que há provas de pagamentos fora de anos eleitorais, o que descaracterizaria os repasses como caixa dois.

"Isso pode ter ocorrido por força de algum tipo de complementação de acordo de campanha eleitoral. Mas não me recordo", disse o réu.

O ex-governador também buscou se desvincular de Carlos Emanuel Miranda e Luiz Carlos Bezerra, intermediários, segundo a acusação, entre ele e os irmãos Chebar. O primeiro, de acordo com o MPF, era o principal responsável por determinar os pagamentos de despesas pessoais de Cabral.

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O esquema Cabral
O esquema Cabral

"Ao Carlos Miranda estão dando uma dimensão... 'Operador financeiro'. Me ajudava ali...", disse Cabral.

Fato é que despesas de Cabral foram pagas por Chebar, tais como voos de helicóptero, pacotes turísticos e joias. Mas o peemedebista não confirma todas as descritas pelos Chebar.

Miranda tem se mantido calado em seus depoimentos. Bezerra, contudo, detalhou os bilhetes que usava para controlar a entrada e saída de dinheiro do grupo. É com base nos manuscritos que o MPF vem identificando e corroborando indícios contra empresários e autoridades supostamente envolvidas no esquema.

"A contabilidade do sr. Bezerra é digna de uma psiquiatria. É um bezerrês, só ele pode explicar. Tem parte que sim [procede], parte que não. Lamento o que ele disse aqui, as distorções que foram feitas naquela contabilidade maluca", disse Cabral sobre os garranchos do ex-assessor.

O peemedebista afirma ser vítima de acusações falsas que, de tão frequentes, se tornaram verossímeis. Embora reconheça seus "erros", considera que lhe atribuem mais do que desviou, com o objetivo de ocultar crimes de outras pessoas.

"Eu não matei Odete Roitman. Que há uma possibilidade das pessoas estarem colocando na minha conta má conduta que não foi praticada por mim eu não tenho dúvida", afirmou ele.

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O esquema Cabral
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