Folha de S. Paulo


Ação contra Lula definirá uso de indício para condenações

Alice Vergueiro/Folhapress
O ex-presidente Lula sobe em carro de som e discursa em ato contra reforma da Previdência, na av. Paulista (região central de SP)
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Às vésperas da primeira sentença do ex-presidente Lula na Lava Jato, acusação e defesas vêm travando um debate: indícios são suficientes para condenar?

A questão ganhou corpo nas últimas manifestações do processo que julga se o petista recebeu propina por meio de um tríplex em Guarujá. O centro da discussão é a prova indiciária, ainda controversa no meio jurídico.
A sentença do juiz Sergio Moro deve virar referência na avaliação se indícios podem ou não condenar alguém.

A força-tarefa da Lava Jato é uma das principais defensoras desse tipo de prova, e considera que indícios, somados a outras circunstâncias probatórias, podem levar a uma condenação em casos de crimes graves e complexos, que não deixam provas diretas —caso da corrupção e da lavagem de dinheiro.

"Ou se confere elasticidade à admissão das provas da acusação e o devido valor à prova indiciária, ou tais crimes, de alta lesividade, não serão jamais punidos e a sociedade é que sofrerá as consequências", afirmaram os procuradores, em alegações finais a Moro.

As defesas do ex-presidente e de outros réus rebatem esse ponto de vista, que, para eles, contraria o princípio da presunção de inocência.

Indícios contra Lula

"Esse discurso é tão moderno quanto a Santa Inquisição, as monarquias absolutistas e as teorias fascistas", disseram os advogados de Lula, também em alegações finais.

Pela doutrina, o indício é definido como um fato acessório que tem conexão com o crime. Se alguém, por exemplo, viu um suposto assassino sair correndo do local da morte com uma arma na mão, seu testemunho é um indício. "Vários indícios apontando sempre em uma mesma direção podem demonstrar a ocorrência de um fato", afirmou o promotor de Justiça de São Paulo César Mariano da Silva, em artigo recente no site "Consultor Jurídico".

No caso do tríplex, seriam exemplos de provas indiciárias, além dos depoimentos de delatores, documentos apreendidos na casa de Lula, que fazem referência ao apartamento; ou um encontro do ex-presidente com Renato Duque, acusado de desviar recursos da Petrobras, após a veiculação de denúncias de que o ex-diretor da estatal teria contas no exterior.

Para o Ministério Público, em ambas as situações faltaram explicações convincentes de Lula —e as provas levariam à conclusão de que ele sabia de desvios na Petrobras e era o dono do tríplex.

A defesa do ex-presidente sustenta que a avaliação "racional, objetiva e imparcial" das provas sugere o contrário, e que a tese da Procuradoria é um "castelo teórico".

Para eles, foi impossível comprovar que os contratos da Petrobras citados na denúncia foram a fonte dos valores investidos no tríplex, muito menos que o imóvel pertencia a Lula.

"O que fez a acusação foi tentar justificar o fato de que não foi possível juntar aos autos as provas satisfatórias ao alicerce de uma sentença condenatória", afirmou o advogado Fernando Fernandes, defensor de Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula.

-

Indícios apresentados

1.
Os executivos da OAS dizem que o apartamento estava reservado para Lula, e que isso era de conhecimento geral dentro da companhia

2.
Documentos apreendidos na casa de Lula faziam referência ao tríplex, como um contrato de adesão com o número do apartamento rasurado

3.
Segundo Léo Pinheiro (sócio da OAS), a negociação foi feita por Paulo Okamotto, do Instituto Lula, e João Vaccari, ex-presidente da Bancoop

4.
Pinheiro afirmou ainda que, entre abril e maio de 2014, Lula pediu que ele apagasse provas de pagamentos de propina no Brasil ou exterior

5.
Lula admitiu ter se encontrado com Renato Duque, ex-diretor da Petrobras, para perguntar sobre denúncias, mostrando elo com esquema

-

PARADIGMA

O veredicto de Moro pode levar à consolidação de um novo paradigma sobre provas indiciárias -que, para alguns, teve momento decisivo no julgamento do mensalão.

Na ocasião, ministros do STF entenderam que "provas indiciárias são aptas a justificar o juízo condenatório".

A questão, porém, ainda é controversa. No mesmo julgamento, a ministra Cármen Lúcia disse que "a condenação exige juízo de certeza", e que provas indiciárias, portanto, não seriam suficientes para formar convicção de culpa.

"É absolutamente perigoso", diz o advogado Carlos Eduardo Scheid, doutor em Direito e professor da Unisinos. "Palavras de delatores somadas a alguns indícios geram um risco bastante grande de condenações injustas."

Outros, porém, defendem a regra da livre apreciação da prova pelo juiz, prevista no Código de Processo Penal -sejam elas diretas ou indiciárias.

"Indícios, quando fortes, seguros e não contrariados por contraindícios ou provas diretas, podem autorizar o juízo de culpa", disse o ministro Dias Toffoli, em decisão recente.


Endereço da página:

Links no texto: