Folha de S. Paulo


Cabral dos anos 1990, o 'Serginho', era associado a 'vanguarda' e 'ética'

Naquela época ele era Serginho, 29, primogênito e homônimo do cofundador do "Pasquim" e três vezes vereador Sergio Cabral. E Serginho, então no PSDB e casado com uma prima de Aécio Neves, a Susana, sonhava em ser prefeito do Rio de Janeiro. Entrou em campanha com o slogan "meus valores são outros".

Revelava quais eram em propaganda eleitoral na TV: "A ética, a moral". Então vice-governador e hoje deputado estadual, Luiz Paulo Corrêa (PSDB-RJ) lembra de uma cidade tomada por outdoors com o rosto de Sergio Cabral Filho, que ainda não dispensara o último nome. Neles, bordões como: "Quero ser um novo Marcello [Alencar, então governador e aliado] sem o Brizola para atrapalhar".

Grão-tucanos paulistas exaltaram sua "mensagem ética" (José Serra), disseram que, quando o assunto era competência e honestidade, o jovem Cabral "resume essas qualidades" (Fernando Henrique Cardoso) e exortaram os cariocas a votar no parlamentar em primeiro mandato (Mario Covas).

Cabral em 1992

Isso em 1992, um quarto de século antes da sentença de 14 anos de prisão e das sucessivas denúncias apresentadas pela Justiça –nesta segunda (19), Cabral virou alvo da 11ª, desta vez pela compra de mais de R$ 4 milhões em joias descritas pela H. Stern em acordo de leniência.

Contra aquele político visto como promissor pairaria, no futuro, um novelo de escândalos.

A acusação de desviar centenas de milhões ao longo de dois mandatos. O convescote de luxo em Paris onde ele, alguns de seus secretários e o empresário Fernando Cavendish se deixaram fotografar com guardanapos na cabeça. A suspeita de manter mais de US$ 2 milhões na Suíça só em diamantes. Os ex-operadores financeiros afirmarem que pagaram R$ 156 mil em 11 peças da grife italiana Ermenegildo Zegna.

Cabral perdeu sua primeira eleição ao Executivo, mas ganhou a aura de paladino da moralidade, lapidada ao longo de três mandatos na Assembleia Legislativa fluminense (1991-2003).

Com a derrota na disputa para prefeito, voltou à Casa para a qual foi eleito em 1990. Lá deu partida numa série de "ações marqueteiras", segundo adversários, e "era uma pessoa muito, vamos dizer assim, nariz em pé", nas palavras do desafeto e também ex-governador Anthony Garotinho (PR-RJ).

Sem perder a chance de deixar a mídia a par, o jovem Cabral dispensou o carro oficial com motorista (ia com o próprio Voyage) ao qual todo deputado tinha direito. Ia em bailes da terceira idade e privilegiou projetos para idosos.

Em 1994, presidiu uma CPI que investigou a corrupção no futebol do Rio. Então vice-presidente do Vasco, Eurico Miranda chegou a lhe ameaçar, em entrevista à Rádio Nacional: "É melhor não voltar a me chamar de ladrão. Ele já está merecendo uma escopeta calibre 12 nas costas".

Cabral virou presidente da Assembleia no ano seguinte, debruçado no discurso moralizador. Sua gestão aprovou a aposentadoria especial para parlamentares e um teto anti-supersalários.

Quando, em 1996, o Tribunal de Justiça do Rio determinou que a Assembleia pagasse R$ 20 milhões retirados dos salários de 302 funcionários, ele esbravejou contra a "imoralidade" da decisão.

Cabral abdicou do tucanato em 1999 para retornar ao PMDB. Contou sua trajetória partidária num programa "Roda Viva" de 2007, já como governador fluminense: "Tive uma militância no 'velho partidão' [Partido Comunista Brasileiro], fui presidente da juventude do PMDB, no final dos anos 1970, início dos 1980, com Aécio, que era presidente da juventude do PMDB de Minas. Depois fomos para o PSDB".

Nessa primeira fase política, Cabral "tinha posição de jovem de vanguarda, com aquela campanha toda de combater supersalários", afirma o deputado Luiz Paulo.

A semanas de deixar o cargo de governador, o tucano Marcello Alencar jogou a primeira de muitas ogivas contra seu manto de ética. Ex-aliados, eles se desentenderam após Cabral denunciar suposta compra de votos para que deputados apoiassem a privatização da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos).

Alencar contra-atacou: acusou o presidente da Assembleia Legislativa de ser dono de uma casa no condomínio Portobello, em Mangaratiba (sul do Rio), que jamais poderia comprar com seus ganhos como parlamentar.

Na época, Cabral disse que pagou pouco pelo imóvel pois fez negócio "com um amigo de 15 anos", o empresário Carlos Jardim Borges –que anos depois seria investigado na Lava Jato.

Hoje avaliada em R$ 8 milhões, a mansão fica num complexo com pista de pouso, sushi bar, marina e um safári de 300 mil m², cercado pela mata atlântica e lar da zebra Lua, do emu Neymar e do camelo Sadam, segundo o site do empreendimento.

GAROTINHO

Cabral também rivalizou com Garotinho, que o antecedeu no Governo do Rio e de quem foi contemporâneo no PMDB por alguns anos.

Garotinho conta à Folha sobre um episódio que aconteceu quando ainda eram amigos, em 2002 –ano do "escândalo do propinoduto, protagonizado por fiscais do Estado que depositavam na Suíça propinas pagas por empresas em troca de benefícios fiscais.

"Numa tarde, um amigo do Cabral liga. Fala que ele está deprimido, sem tomar banho, barba por fazer. Ele morava no Leblon na época", diz o ex-governador.

Ele afirma que foi até lá e encontrou o deputado estadual com a cara afundada no travesseiro. Segundo Garotinho, Cabral lamentou: "Minha vida acabou". Ainda de acordo com ele, o peemedebista teria sido o responsável por lhe indicar um velho conhecido, Rodrigo Silveirinha, ex-subsecretário adjunto de Administração Tributária e pivô no "propinoduto".

Astrólogo, doleiro e delator, Renato Chebar disse em depoimento à Justiça que, no carnaval daquele ano, Cabral o procurou: queria depositar uma pequena quantia de dólares no exterior. Estava preocupado com o propinoduto, ainda que não estivesse envolvido com ele.

Anos depois, Cabral e Garotinho foram implicados em diferentes escândalos (o primeiro na Lava Jato, o segundo em suposto esquema de compra de votos) e presos com menos de 24 horas de distância, em novembro de 2016. Garotinho foi solto pouco depois.

Cabral vive na cela de uma cadeia pública na zona norte carioca, após uma temporada em Bangu 8, apelidado de "cadeia dos vips", que já recebeu outros ilustres, como o ex-banqueiro Salvatore Cacciola.

Quando chegou, manifestantes o esperavam na porta. A recepção foi à base de fogos e espumante.


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