Folha de S. Paulo


Inspeção vê falhas e favorecimento no Ministério Público de Minas

Uma inspeção da Corregedoria Nacional do Ministério Público revela que o Ministério Público de Minas atuou com lentidão e deixou de investigar fatos suspeitos envolvendo políticos.

A inspeção, a maior já feita na instituição, foi realizada em outubro passado sob o comando do corregedor nacional, Cláudio Henrique Portela do Rego. Foram examinadas as atividades da instituição na segunda gestão do procurador-geral de Justiça Carlos André Mariani Bittencourt.

O relatório aponta que a apuração de suposto enriquecimento ilícito de deputados estaduais –cujo exame deveria ser feito por promotores– tramitava "sob a presidência do procurador-geral, fato que não se coaduna com a lei".

Caixa-preta mineira

Bittencourt nega que tenha havido favorecimento a grupos ou partidos políticos.

Um inquérito contra o governador Fernando Pimentel (PT), que teria violado o princípio da impessoalidade em publicidade institucional quando prefeito de Belo Horizonte, ficou trancado durante cinco anos num armário, segundo o relatório.

Uma representação contra Pimentel por suposta utilização de empresas fantasmas para levantar recursos de campanha foi remetida ao procurador-geral pela Promotoria de Defesa do Patrimônio em dezembro de 2015, 12 meses depois da posse. Ainda está na fase de análise.

Outro ponto levantado pela inspeção foi o fato de a Secretaria de Defesa Social do Estado ter deixado, por seis anos, de fornecer à Justiça documentos para cálculos de liquidação de um processo, o que poderia caracterizar crime de desobediência. O juiz de uma Vara da Fazenda Pública noticiou a omissão ao procurador-geral, que não instaurou investigação e não formalizou o registro dessa representação.

Em 2015, o vice-governador Antônio Andrade (PMDB), exercendo o cargo de governador, abriu crédito suplementar sem indicação da fonte de recursos. Não houve investigação e a representação não foi registrada.

O atual procurador-geral, Antônio Sérgio Tonet, que assumiu em dezembro, diz que, "independentemente de recomendações", determinou no início de sua gestão o registro formal de todos os procedimentos.

DEPUTADOS

Sobre a situação dos deputados estaduais, Tonet diz que "nem sempre a melhor estratégia é ouvir o investigado por último, mas há um alinhamento institucional que recomenda isso".

A inspeção apontou que relatórios do Coaf, órgão ligado ao Ministério da Fazenda, indicando movimentação financeira atípica de deputados estaduais, eram enviados a eles para ciência, sem a realização de diligências.
A Corregedoria vê risco de investigados maquiarem ou ocultarem provas.

Uma investigação por suposta improbidade do deputado estadual José Célio de Alvarenga (PC do B) tramitou indevidamente no gabinete do procurador-geral desde dezembro de 2014 sem dar origem a qualquer procedimento. O político foi informado a respeito. O Ministério Público diz que aguarda esclarecimentos do deputado.

Crimes supostamente praticados por promotores foram tratados internamente, em "audiências de conciliação", sem passar pelo Judiciário.

Uma promotora, por exemplo, acusada de crime de injúria racial, concordou com pagamento de indenização, tendo a vítima desistido da representação, extinguindo-se a punibilidade.

O procurador-geral determinou ainda o não prosseguimento de investigação sobre suposta corrupção atribuída a uma promotora. A Corregedoria Nacional anotou que o Ministério Público de Minas não mantém controle sobre o desfecho do inquérito policial instaurado.

PROTESTO EM OUTDOOR

No final de 2016, um outdoor em Belo Horizonte protestava contra a remoção compulsória do promotor Eduardo Nepomuceno de Souza, transferido da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público para a área criminal.

A peça, com a foto do promotor, afirmava se tratar de "retaliação contra quem combate a corrupção".

A punição foi imposta pelo Conselho Nacional do Ministério Público com base em relatório de uma comissão do Ministério Público mineiro.

Nepomuceno foi acusado de atrasar inquéritos, fazer investigações sem justa causa e usurpar atribuições de outros órgãos. Várias representações foram oferecidas por investigados pelo promotor, como o senador Zezé Perrella (PMDB), os empresários Alvimar Perrella e José Maria Fialho, ex-dirigentes do Cruzeiro.

Nepomuceno investigou, entre outros casos, suspeitas de fraude na construção do Centro Administrativo do governo do Estado e o aeroporto no município de Cláudio, em terras de um familiar do senador Aécio Neves (PSDB). Pouco antes da remoção, ele investigava a suspeita de desvio de recursos públicos para empresa de Andrea Neves.

A Associação Mineira do Ministério Público considerou a punição "descabida". O promotor recorreu ao Supremo Tribunal Federal, mas o ministro Dias Toffoli não considerou que tenha havido indícios de ilegalidades.

Flavio Tavares - 4.dez.2014/"Hoje Em Dia"
MG/BELO HORIZONTE/04-12-2014/POLITICA/ENTREVISTA COM CARLOS ANDRE MARIANNI BITTENCOURT, PROCURADOR-GERAL DE JUSTICA. FOTO: FLAVIO TAVARESJORNAL HOJE EM DIA *** PARCEIRO FOLHAPRESS - FOTO COM CUSTO EXTRA E CRÉDITOS OBRIGATÓRIOS ***
Carlos André Mariani Bittencourt, ex-procurador-geral de Justiça de Minas

OUTRO LADO

Carlos André Mariani Bittencourt diz que não foi apontada nenhuma situação que "denotasse omissão ou desacerto na apuração de ilícitos".

Segundo ele, o relatório da Corregedoria "ressaltou os pontos considerados negativos", sem qualquer observação sobre investigações relevantes. Ele diz que "foi necessário investigar promotores e juízes por fatos graves e denunciá-los com rigor".

"Só tramitam na Procuradoria-Geral procedimentos criminais das autoridades com foro por prerrogativa de função, e na grande maioria não se dava ciência a investigado como primeira providência."

Bittencourt diz que "nunca se investigou improbidade atribuída a deputados na Procuradoria Geral".

"Isso somente ocorreu, por opção, em um bloco de expedientes oriundos das informações do Coaf, cerca de 20, num enorme universo, cujos dados já explicitavam de forma incontestável as movimentações financeiras feitas no passado, em contas bancárias de pessoas já identificadas."

"A comunicação do Coaf não constitui 'a priori' justa causa para instauração de qualquer investigação", diz Bittencourt.

Segundo Bittencourt, "os dois casos em que foram obtidos acordos cíveis, oriundos de conflitos envolvendo promotores de justiça e terceiros, não comportavam providências criminais".

"Todo o sistema jurídico atual fez inserir em seus procedimentos todos os esforços para obter acordos e conciliações, justamente para desafogar o Judiciário", afirma.

Letícia Lacerda, advogada do deputado José Célio de Alvarenga, diz que e é "absolutamente descabida a presunção de acréscimo ou evolução patrimonial descoberta" de seu cliente.


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