Folha de S. Paulo


Cunha pede para o Supremo anular a delação da JBS

A defesa do ex-deputado federal Eduardo Cunha ingressou com um recurso no Supremo Tribunal Federal para anular a delação de Joesley Batista, da JBS.

O advogado de Cunha, Rodrigo Sanches Rios, diz no pedido que o acordo da JBS desrespeitou o princípio constitucional de proporcionalidade e um artigo da lei que regulamentou os acordos de delação em 2013: 1. ele fere o critério de proporção ao deixar de estipular algum tipo de punição para um criminoso que confessou ter comprado 1.829 políticos, com o gasto de R$ 500 milhões em propinas; 2. a lei proíbe que a Procuradoria-Geral da República deixe de acusar um colaborador se ele for o líder da organização criminosa.

Como Joesley assumiu que liderava o processo de pagamento de suborno a parlamentares, ele poderia ter benefícios, mas não poderia se livrar integralmente dos atos de corrupção que praticou, no entendimento de Rios.

"Não tem a menor razoabilidade, tampouco proporcionalidade, esse grupo de delatores se beneficiar com tamanha generosidade, ante a quantidade e complexidade dos supostos crimes apresentados!", afirma o pedido apresentado ao Supremo.

Na mira da JBS

O advogado de Cunha cita um dos críticos dos acordos feitos na Itália pela Operação Mãos Limpas, consideradas uma das fontes de inspiração da Lava Jato, o jurista argentino Eugenio Raúl Zaffaroni, atualmente juiz da
Corte Interamericana de Direitos humanos: "O Estado está se valendo da cooperação de um deliquente, comprada ao preço de sua impunidade, para 'fazer Justiça´".

Sem os critérios de proporcionalidade nas penas, o acordo "é manifestamente ilícito", de acordo com Rios.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu os benefícios concedidos no acordo com o argumento de que foi o preço a ser pago para se romper o círculo da corrupção. "Os irmãos Batista, em troca dos benefícios, relataram o pagamento de propina a quase 2.000 autoridades do país, apresentaram provas muito consistentes, contas no exterior, gravações de crimes e auxiliaram na realização de ação controlada pela polícia. Tudo isso só foi possível nos termos acordados", escreveu em texto publicado na última quinta (25).

SEM PROVAS

A defesa de Cunha pede também que o Supremo revogue o novo decreto de prisão contra o ex-deputado, decidido pelo ministro Edson Fachin a partir da delação da JBS. O procurador-geral pedira que Cunha e o operador e doleiro Lucio Funaro fossem transferidos para um presídio de segurança máxima porque teriam continuado a praticar crimes mesmo na prisão. O Supremo decretou uma nova prisão, mas recusou mandá-los para um presídio de segurança máxima.

O pedido de revogação de prisão aponta que não há provas de que Joesley tenha pago propina a Cunha para que ele se mantenha em silêncio e não faça um acordo de delação.

Em gravação feita por Joesley com o presidente Michel Temer, o empresário narra que comprou o silêncio de Cunha e Lucio Funaro. A gravação tornou-se polêmica porque o jornal "O Globo", que revelou o caso, dizia que Temer concordara com a operação de comprar o silêncio do ex-deputado e de seu operador. Depois que os áudios se tornaram públicos, o que se ouve na conversa é Temer concordar com Joesley após ele narrar que conseguira manter boas relações com Cunha e Funaro: "Tem que manter isso, viu?".

O advogado de Cunha diz que não há provas de que seu cliente tenha recebido suborno da JBS para ficar quieto. Essa prova, ainda de acordo com Rios, só existe contra Funaro. A Polícia Federal prendeu sua irmã, Roberta Funaro, após registrar a entrega de R$ 400 mil a ela, feita por um lobista da JBS, Ricardo Saud.

O advogado afirma que só a palavra de um delator, sem a comprovação de uma investigação, não é suficiente para sustentar o decreto de prisão.

Preso em outubro do ano passado por ordem do juiz Sergio Moro, Cunha foi condenado a 15 anos de prisão sob acusação de ter recebido US$ 1,5 milhão após a Petrobras ter comprado 50% dos direitos de exploração de um campo de petróleo no Benin por US$ 34,5 milhões. Segundo o juiz, Cunha recebeu a propina em 2011, quando era deputado e o PMDB comandava a diretoria internacional da Petrobras.

ROCHA LOURES

O advogado Cezar Bitencourt, que passou a defender o deputado afastado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), afirmou nesta terça (30) que também irá pedir a anulação da delação premiada dos executivos da JBS.

O pedido deve ser protocolado no STF (Supremo Tribunal Federal) até o final dessa semana.

Bitencourt também defende o argumento de que a delação é inválida por ter sido feita pelo "chefe da quadrilha".

"Quem comprou os políticos todos? Quem tinha o poderio econômico? O chefe da quadrilha é o Joesley", afirmou o advogado, em entrevista à Folha.

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Como acontece uma delação

1. Procura
Advogado de investigado procura a força-tarefa e informa sobre o interesse em fazer delação premiada

2. Reunião
São feitas reuniões de pré-acordo com o investigado, seu advogado e pelo menos dois procuradores da República para que sejam apresentados os assuntos a serem revelados pelo delator

3. Sigilo
É assinado acordo de confidencialidade entre os possíveis delatores e a Procuradoria

4. Definição dos temas
São realizadas reuniões de negociação e é redigida uma lista de assuntos a serem delatados. Cada tema corresponderá a um depoimento do colaborador, que habitualmente é chamado de anexo

5. Contrato
Começa a negociação das cláusulas sobre as vantagens que o investigado poderá ter ao delatar, como obter redução de penas. Fechado o acordo, são redigidas as minutas com as cláusulas e anexos com os temas a serem revelados

6. Assinatura
O acordo é assinado

7. Depoimentos
Começam os depoimentos do delator. Participam pelo menos um procurador da República, um delegado da Polícia Federal e um advogado do investigado. Os testemunhos são registrados em vídeo

8. Encaminhamento à Justiça
O acordo e os depoimentos são enviados ao juiz responsável pelo inquérito do caso

9. Homologação
O juiz analisa apenas os aspectos formais do acordo, e aprova ou desaprova a colaboração. Na linguagem jurídica, essa etapa é chamada de fase de homologação

10. Desdobramentos
Procuradores e delegados pedem ao juiz a adoção de medidas com base nos depoimentos, como prisões, escutas e buscas em relação aos investigados

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O que ocorreu no caso da JBS

19.fev.2017
Diretor jurídico da JBS fez contato com a Procuradoria no DF informando interesse de dirigentes da empresa de fazer colaboração premiada

20.fev
Primeira reunião entre representantes da JBS e da Procuradoria no DF sobre o possível acordo

7.mar
Dono da JBS Joesley Batista grava conversa com o presidente Michel Temer

13.mar
Joesley grava conversa com o deputado Rocha Loures (PMDB-PR), que fora indicado por Temer

16.mar
Nova conversa gravada de Joesley com o deputado Rocha Loures

24.mar
Joesley grava conversa com o senador Aécio Neves (PSDB-MG)

28.mar
Representantes da JBS e da Procuradoria assinam acordo de confidencialidade

7.abr
Assinatura do pré-acordo de delação; procurador-geral da República, Rodrigo Janot, comunica o STF e pede autorização para iniciar investigações com a técnica da ação controlada

10.abr
O ministro do STF Edson Fachin autoriza a apuração com ação controlada

3.mai
Assinatura do acordo de delação

11.mai
Fachin homologa o acordo de delação


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