Folha de S. Paulo


Acordo com irmãos da JBS pode ter sido mal menor, diz Dallagnol

Ruim com eles, pior sem eles. Acordos generosos de delação premiada, como o que beneficiou os irmãos Joesley e Wesley Batista, podem não parecer justos, mas nem sempre há alternativas melhores na mesa.

Foi o que defendeu o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato, a uma plateia insatisfeita com o destino dos donos da JBS.

"No mundo ideal todo mundo seria punido. O grande problema é que não vivemos no mundo real", disse nesta terça-feira (22), no lançamento em um shopping de São Paulo do seu livro "A Luta contra a Corrupção", com a visão do Ministério Público para a operação que assumiu três anos atrás.

Dallagnol frisou que falava hipoteticamente, pois o caso foi fechado pela Procuradoria-Geral da República, e não pela Justiça Federal do Paraná, onde atua.

Chegou a brincar que a pergunta feita pela jornalista Mariana Godoy, que conduziu o debate, merecia uma saída à francesa. "Este é o momento em que a campainha toca, e todo mundo sai pro lanche."

Dito isso, afirmou que os "fatos que vieram à tona são crimes gravíssimos", por envolverem um presidente da República (Michel Temer ) e um presidenciável (Aécio Neves ).

Dallagnol sugeriu que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pode ter se visto sem opções. "Quais eram as alternativas aos irmãos?"

Eles não eram réus e não estavam presos quando procuraram Janot. Joesley e Wesley podiam até estar sob investigação, mas processos costumam demorar "anos e anos" até darem em algo.

Dallagnol lembrou da demora de mais de duas décadas até que o Supremo Tribunal Federal condenasse Paulo Maluf, nesta mesma terça. Destacou ainda que ao menos o crime de corrupção que era imputado ao parlamentar "já era, prescreveu".

Voltando aos irmãos: "Conseguiria ele [Janot] aquelas gravações com outras pessoas? Não que eu saiba".

Daí a possível inevitabilidade do acordo que, para a população, deixou a impressão de que "os irmãos 'Ley' ganharam na mega-sena", como colocou Godoy.

Dallagnol foi recebido por mais de cem pessoas o aplaudindo de pé, gritando "Lava Jato! Lava Jato!".

Uma delas: a maquiadora Valdirene Paschoalini, 35, que aderiu a uma pintura facial com a bandeira do Brasil que fazia a metade esquerda do seu rosto brilhar com purpurina.

Dallagnol viu em Godoy, da Rede TV!, um rosto amigo. No começo da sabatina, ela adiantou que assinou as "Dez Medidas contra a Corrupção", projeto de lei pelo qual tem "muito carinho" e é capitaneado por Dallagnol.

Já na partida, Godoy provocou a audiência: a gravata do convidado era vermelha, tal qual a cor do PT. "É vinho!", rebateram ao menos duas pessoas, em tom injuriado.

Ele foi questionado sobre como a sociedade poderia confiar no Judiciário, após a interceptação de uma ligação entre o ministro do STF Gilmar Mendes e o senador Aécio Neves (PSDB).

Segundo relatório policial, Aécio "pediu ao ministro para que telefonasse para o senador Flexa Ribeiro (PSDB-AM)". Solicitou que o magistrado orientasse Flexa a votar como Aécio queria no projeto de lei sobre abuso de autoridade.

Dallagnol não pegou a isca e evitou críticas diretas a Gilmar. Afirmou esperar uma "grande renovação política em 2018" e se disse decepcionado com a morosidade dos parlamentares para combater a corrupção. "Depois de três anos de Lava Jato, Congresso é uma fonte seca em medidas contra a corrupção."

Comparou a falta de credibilidade dos políticos a uma clínica onde se vai acreditando que, no fundo, o médico quer seu mal. "Ele receita remédio, e você não confia que é para o seu bem. Que é para ele lucrar mais em cima de você."

Arrancou gritos de "fofo" quando disse que tinha quatro anos na época de Diretas-Já, em 1984.

Questionado sobre a maré favorável a membros do Judiciário na política, voltou-se à plateia e disse que de lá poderiam sair novos representantes –na arquibancada, a empresária e socialite Rosangela Lyra, a líder do movimento Nas Ruas, Carla Zambelli, e o promotor Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção.

À Folha, em abril, Dallagnol disse que não "descogita" seguir carreira política nem virar pastor evangélico no futuro.

A Luta Contra A Corrupção
Deltan Dallagnol
l
Comprar

Ele criticou a ideia do juiz ou procurador herói que salvará a nação das garras da corrupção. A mudança, disse, depende da mobilização popular. "Somos cidadãos consumistas. Sentamos no sofá de casa e esperamos que o Estado nos sirva. Não teremos mudança enquanto confiarmos em heróis."

Ao longo da noite, ganhou da plateia títulos como "excelentíssimo" e pedidos para que colocasse "Lula na cadeia".

Já nos minutos derradeiros, pediu para que o público não temesse fazer perguntas críticas à Lava Jato. Ninguém se voluntariou. Ele preferiu não falar com jornalistas.


Endereço da página:

Links no texto: