Folha de S. Paulo


Sem acordo de delação da JBS, país seria muito mais lesado, diz Janot

Pedro Ladeira/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 28-03-2017, 12h00: O Procurador Geral da República (PGR) Rodrigo Janot se encontra com o presidente do senado senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) e com o presidente da câmara deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) no Congresso Nacional. Ele apresentou à Eunício propostas para a Lei de Abuso de Autoridade que está tramitando no senado. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
O Procurador Geral da República, Rodrigo Janot

Em artigo publicado nesta terça-feira (23) pelo UOL, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu a decisão de firmar um acordo de delação premiada com os irmãos Wesley e Joesley Batista.

Os empresários entregaram aos procuradores uma gravação de uma conversa com Temer ocorrida em março. No encontro, que não consta na agenda oficial do presidente, Joesley afirma que tem um plano para destituir um procurador da Lava Jato que investigava a JBS e que estava "dando conta" de dois juízes.

No inquérito aberto a partir do acordo de delação, a PGR (Procuradoria Geral da República) apontou indícios de três crimes supostamente cometidos pelo presidente: obstrução de Justiça, corrupção passiva e organização criminosa. Também são investigados no mesmo inquérito o senador Aécio Neves (PSDB) e o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB).

"Até onde o país estaria disposto a ceder para investigar a razão pela qual o presidente da República recebe, às onze da noite, fora da agenda oficial, em sua residência, uma pessoa investigada por vários crimes, para com ela travar diálogo nada republicano?", afirma Janot no texto.

O artigo foi escrito após a Procuradoria ser criticada pelos benefícios concedidos aos irmão no acordo de delação. Em pronunciamento, o presidente Michel Temer afirmou que os donos da empresa JBS haviam cometido o "crime perfeito".

"O autor do grampo está livre e solto, passeando pelas ruas de Nova York. O Brasil, que já tinha saído da mais grave crise econômica de sua história, vive agora, sou obrigado a reconhecer, dias de incerteza", afirmou o presidente em seu pronunciamento: na tarde deste sábado (20), o segundo feito desde que as delações vieram à tona.

No artigo, Janot afirma que os benefícios dados aos delatores é "ponto secundário do problema".

"A alternativa teria sido muito mais lesiva aos interesses do país, pois jamais saberíamos dos crimes que continuariam a prejudicar os honrados cidadãos brasileiros", diz.

Janot também ressaltou que o acordo prevê o pagamento de uma multa de R$ 11 bilhões e diz que a colaboração é "muito maior que os áudios questionados".

Leia abaixo a íntegra do artigo:

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"Crimes graves": sem acordo de delação dos irmãos Batista, país seria ainda mais lesado

Três anos após a deflagração da Operação Lava Jato, com todos os desdobramentos que se sucederam, difícil conceber que algum fato novo ainda fosse capaz de testar tão intensamente os limites das instituições. Mas o roteiro da vida real é surpreendente.

Em abril deste ano, fui procurado pelos irmãos Batista. Trouxeram eles indícios consistentes de crimes em andamento –vou repetir: crimes graves em execução–, praticados em tese por um senador da República e por um deputado federal.

Os colaboradores, no entanto, tinham outros fatos graves a revelar. Corromperam um procurador no Ministério Público Federal. Apresentaram gravações de conversas com o presidente da República, em uma das quais se narravam diversos crimes supostamente destinados a turbar as investigações da Lava Jato.

Além desses fatos aterradores, foram apresentadas dezenas de documentos e informações concretas sobre contas bancárias no exterior e pagamento de propinas envolvendo quase duas mil figuras políticas.

Mesmo diante de tais revelações, o foco do debate foi surpreendentemente deturpado. Da questão central –o estado de putrefação de nosso sistema de representação política– foi a sociedade conduzida para ponto secundário do problema –os benefícios concedidos aos colaboradores.

Quanto valeria para a sociedade saber que a principal alternativa presidencial de 2014, enquanto criticava a corrupção dos adversários, recebia propina do esquema que aparentava combater e ainda tramava na sorrelfa para inviabilizar as investigações?

Até onde o país estaria disposto a ceder para investigar a razão pela qual o presidente da República recebe, às onze da noite, fora da agenda oficial, em sua residência, pessoa investigada por vários crimes, para com ela travar diálogo nada republicano?

Que juízo faria a sociedade do MPF se os demais fatos delituosos apresentados, como a conta-corrente no exterior que atendia a dois ex-presidentes, fossem simplesmente ignorados?

Foram as perguntas que precisei responder na solidão do meu cargo. A gravidade do momento, porém, fez-me compreender claramente que já tinha em mim as respostas há pelo menos trinta e dois anos, quando disse sim ao Ministério Público e jurei defender as leis e a Constituição do país.

Embora os benefícios possam agora parecer excessivos, a alternativa teria sido muito mais lesiva aos interesses do país, pois jamais saberíamos dos crimes que continuariam a prejudicar os honrados cidadãos brasileiros, não conheceríamos as andanças do deputado com sua mala de dinheiro, nem as confabulações do destacado senador ou a infiltração criminosa no MPF.

Como procurador-geral da República, não tive outra alternativa senão conceder o benefício da imunidade penal aos colaboradores, alicerçado em três fortes premissas:

-a gravidade de fatos, corroborados por provas consistentes que me foram apresentadas;

-a certeza de que o sistema de justiça criminal jamais chegaria a todos esses fatos pelos caminhos convencionais de investigação

-a situação concreta de que, sem esse benefício, a colaboração não seria ultimada e, portanto, todas as provas seriam descartadas.

Para os que acham que saiu barato, anoto as seguintes considerações pouco conhecidas: no acordo de leniência, o MPF que atua no primeiro grau propôs:

-o pagamento de multa de 11 bilhões de reais;

-as punições da Lei de Improbidade e da Lei Anticorrupção ainda estão em aberto;

-no que se refere às operações suspeitas no mercado de câmbio, não estão elas abrangidas pelo acordo e os colaboradores permanecem sujeitos à integral responsabilização penal

-a colaboração é muito maior que os áudios questionados.

Sem jactância e apesar de opiniões contrárias, estou serenamente convicto de que tomei, nesse delicado caso, a decisão correta, motivado apenas pelo desejo de bem cumprir o dever e de servir fielmente ao país.

Finalmente, tivesse o acordo sido recusado, os colaboradores, no mundo real, continuariam circulando pelas ruas de Nova York, até que os crimes prescrevessem, sem pagar um tostão a ninguém e sem nada revelar, o que, aliás, era o usual no Brasil até pouco tempo.


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