Folha de S. Paulo


Crítica

Livro faz defesa da Lava Jato com matemática e exagero verbal

Theo Marques-2.abr.17/Folhapress
Curitiba, Parana, Brasil, 26-04-2017, 15h00 - Entrevista com o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da forca tarefa da operacao Lava Jato no Ministerio Publico Federal. Deltan lanca hoje o livro
Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato

A "A Luta Contra a Corrupção", de Deltan Dallagnol, é livro de propaganda.

O autor dispensa apresentações. É um dos aguerridos e competentes procuradores da República da Operação Lava Jato, em Curitiba, responsável pela revelação e desmantelamento da impressionante rede de promiscuidade que se construiu entre setores empresariais e políticos que governaram e governam o país.

Pela proximidade histórica –nem poderia ser diferente, a operação não terminou–, a obra peca pelo excesso de paixão.

Divide o Brasil em duas alas, situando investigadores como funcionários "compromissados com o povo", predestinados, intocáveis e isentos, e, por outro lado, todo aquele que levanta olhares críticos para as estratégias repressivas como inimigos da honestidade.

Se "O Caso Lula" (Editora Contracorrente, 2017) foi organizado pelo advogado Cristiano Zanin Martins para tentar proteger a combalida imagem do ex-presidente, como estadista perseguido, "A Luta Contra a Corrupção" tem o propósito de legitimar as investigações e o conjunto de propostas legislativas, as "Dez Medidas", elaboradas para o salvamento do país.

Bem escrito, interessante é o relato dos acontecimentos por um de seus protagonistas: o processo de transição entre duas etapas (de "catadores de papéis" a operadores de delação premiada, os investigadores passaram a espiar por cima dos muros do "labirinto" da corrupção), o "dilema dos prisioneiros", o surgimento dos anexos, que permitem preservação de informações que não podem vazar, a definição da sétima fase da Lava Jato (prisão de empresários em novembro de 2014) como a "queda de Constantinopla", as entrevistas coletivas como fator de convencimento da opinião pública, o impacto dos "contra-ataques" dos que não se conformam com as apurações.

Mas, atualizado até 30 de março de 2017, o leitor sentirá falta de episódios posteriores, como o habeas corpus concedido pelo STF (Supremo Tribunal Federal) a José Dirceu, que fazem parte de uma narrativa ainda sem desfecho e aparentemente sem fim.

Assim como candidatos empregam números e figuras de retórica no horário eleitoral, Deltan Dallagnol faz da matemática e do exagero verbal armas de proselitismo. A corrupção é "serial killer que mata em silêncio", os desvios da corrupção no Brasil somariam R$ 200 bilhões por ano, o que, em cédulas de R$ 10, ergueriam "uma pilha de 2.000 quilômetros, equivalente a 4.000 prédios de 100 andares", quantia suficiente para construir 7.272 hospitais.

Em um cenário de corrupção desenfreada, em que os "interesses arrecadatórios" se sobrepõem ao interesse público, entre outras opiniões controvertidas do autor, as nulidades processuais seriam decisivas para a impunidade no Brasil. Uma das dez medidas sugeridas é justamente a aceitação jurídica de abusos de "boa-fé" praticados por autoridades.

Policiais, membros do Ministério Público e juízes sabem ou deveriam saber que a legalidade é o limite de suas atuações e um dos pressupostos de sua eficiência. A tolerância de eventuais abusos de "boa-fé" em investigações criminais, como se os fins justificassem os meios, é tão perigosa como a construção de outro estranho raciocínio, o de que a corrupção de "boa-fé" também mereceria complacência.

A Luta Contra A Corrupção
Deltan Dallagnol
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A LUTA CONTRA A CORRUPÇÃO - A Lava Jato e o Futuro de Um País Marcado Pela Impunidade

Autor Deltan Dallagnol
Editora Primeira Pessoa/Sextante
Quanto R$ 39,90 (320 págs.)
Classificação Bom


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