Folha de S. Paulo


Referindo-se a Lula, Santana diz que caixa 2 dependia da 'palavra do chefe'

Paulo Lisboa/Folhapress
O marqueteiro João Santana e a mulher dele, Mônica Moura, deixam a sede da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba (PR) nesta segunda-feira (1º).
O marqueteiro João Santana e a mulher dele, Mônica Moura, ao deixar a sede da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba (PR) em agosto de 2016

O marqueteiro João Santana declarou, em seu depoimento prestado em acordo de delação premiada, que os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff sabiam do uso de recursos de caixa dois da empreiteira Odebrecht para pagamento de dívidas eleitorais das campanhas presidenciais do PT.

Falando especificamente do período em que Lula ocupou o Palácio do Planalto (2003-2010), Santana afirmou que o acerto para esses pagamentos sempre dependia "da palavra final do chefe", em referência ao petista.

A Folha teve acesso aos documentos que integram a delação de Santana e de sua mulher, Mônica Moura, cujo sigilo foi levantado por ordem do ministro do STF Edson Fachin, relator da Lava Jato.

"Lula e Dilma sabiam que as dividas que possuíam com João Santana seriam saldadas com recursos de caixa 2 da Odebrecht", diz o resumo de uma gravação em vídeo do depoimento de Santana.

A transcrição literal das declarações do casal Santana, gravadas em vídeo, ainda não foi anexada aos autos.

Nos chamados "anexos", que são relatos dos delatores sobre o que pretendem dizer ao Judiciário, João Santana disse que começou a trabalhar com Lula em 2005 e que os detalhes práticos da contratação foram entabulados com o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci.

"Palocci em muitas vezes interviu [interveio] para que os pagamentos fossem realizados, contudo sempre exigia que o casal aceitasse receber por fora, o que hoje eles suspeitam que eram valores de propina."

Segundo Santana, embora Palocci tivesse um papel preponderante nos acertos, "tudo sempre dependia da 'palavra final do chefe'", em referência ao então presidente Lula.

"Apesar de nunca ter participado de discussões finais de preços ou contratos –tarefa de Mônica Moura–, João Santana participou dos encaminhamentos iniciais e decisivos com Antonio Palocci. Nestes encontros ficou claro que Lula sabia de todos os detalhes, de todos os pagamentos por fora recebidos pela Pólis [empresa de Santana], porque Antonio Palocci, então ministro da Fazenda, sempre alegava que as decisões definitivas dependiam da 'palavra final do chefe'", diz o texto encaminhado por Santana para o acordo de delação.

Em seu acordo de delação, Mônica Moura também falou que era o ex-presidente Lula quem dava a autorização final para os pagamentos da campanha de Dilma Rousseff à presidência em 2010.

Ela relatou que Palocci lhe contou que "tinha que falar com Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República, que fazia questão de estar a par e que dava a autorização final".

Mônica também afirmou que Lula sabia e autorizou pagamentos feitos por fora ao marqueteiro na campanha de 2006.

Mônica contou que Palocci relatou a ela diversas vezes que "tinha que falar com Lula, porque o valor era alto, e ele não tinha como autorizar sozinho".

Segundo Mônica, o pleito custou cerca de R$ 24 milhões para dois turnos, sendo que R$ 13,7 milhões foram repassados de maneira oficial.

Ela afirmou ainda que o pagamento dos cerca de R$ 10 milhões restantes, feitos por fora, aconteceu da seguinte maneira: metade pago em contas no exterior pela Odebrecht e metade em espécie por Antonio Palocci. O objetivo era dificultar os rastreamento do dinheiro.

OUTRO LADO

O advogado do ex-presidente Lula, Cristiano Zanin Martins, afirmou em nota que "não conhece as declarações".

"Mas como foram prestadas em uma delação, elas nada provam. Delações são negociações que o Ministério Público Federal faz com pessoas que confessam a prática de crimes e desejam sair da prisão ou obter outros benefícios", prosseguiu o advogado.

Ele afirmou que a imprensa tem denunciado que a Força-Tarefa da Lava Jato passou a exigir referências a Lula como condição para aceitar delações. "O assunto foi oficialmente levado ao Procurador-Geral da República para que seja investigado com isenção, mas até o momento desconhecemos qualquer providência nesse sentido."

Por fim, o advogado disse que "a perseguição política por meios jurídicos ("lawfare") em relação a Lula fica cada dia mais clara e está sendo vista pelo mundo."

Advogado de Palocci, José Roberto Batocchio disse que a declaração de João Santana tem de ser recebida com "extrema reserva" porque é "fruto de uma compulsão psicológica".

"As pessoas têm sido encarceradas e submetidas a pressão psicológica de tal forma que para obter a liberdade tenham de fazer essas declarações."

Batocchio disse também que que seria "temerário fazer um pronunciamento assertivo" sem conhecer em minúcias o conteúdo da declaração.

"Não se conhece com precisão o exato teor dessa suposta delação. Independentemente disso, é certo que nessas 'delações à la carte' o cardápio que se apresenta para se oferecer liberdade é sempre o nome do ex-presidente e daquele que foi o principal ministro da economia do nosso país. É o preço que está sendo cobrado pela liberdade impune."


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