Folha de S. Paulo


Opinião

Novas regras trabalhistas precisam inibir corrupção nas empresas

Valdecir Galor/SMCS
Exemplares da carteira de trabalho
Exemplares da carteira de trabalho

A Câmara dos Deputados, no último dia 27, aprovou o projeto de lei (PL 6787-B/2016) conhecido como reforma trabalhista, que altera a Consolidação das Leis dos Trabalho (CLT) e as leis n. 6019/1974, 8.036/1990 e 8.212/1991, com o fim, segundo a ementa do próprio projeto legislativo, de "adequar a legislação às novas relações de trabalho".

Muito se tem discutido sobre o tema, não apenas no Congresso Nacional, mas pela sociedade, o que ensejou, inclusive, realização de greve geral no país no dia 28 de abril. O país passa por um momento único. Por um lado, tem-se centenas de inquéritos e ações penais para apuração, dentre outros crimes, de lavagem de dinheiro e corrupção. Por outro lado, discutem-se projetos legislativos para instituir as reformas trabalhista e previdenciária.

A concomitância deses acontecimentos deve ser bem aproveitada para um bom resultado para o país, especialmente se levando em consideração o que há de bom em termos de legislação.

O texto da reforma trabalhista aprovado pela Câmara dos Deputados e que será encaminhado ao Senado Federal para discussão autoriza a terceirização do trabalho (nova redação do art. 4º da lei 6019/1974), uma vez que poderá haver transferência da execução de quaisquer das atividades da pessoa jurídica a outra, desde que esta possua capacidade econômica compatível com a execução.

Ainda, o mesmo projeto de lei inclui o art. 448-A para dispor que em havendo sucessão empresarial ou de empregadores, as obrigações trabalhistas serão de responsabilidade do sucessor, salvo nas hipóteses de fraude na transferência, quando a responsabilidade será compartilhada.

Precisamos pensar a reforma trabalhista sob diversas perspectivas. No âmbito jurídico, a análise deve extrapolar o âmbito das relações empregado-empregador inerentes à Justiça do Trabalho.

Em 2013, foi aprovada a lei n. 12846/2013, mais conhecida como "Lei Anticorrupção", mas denominada publicamente de "Lei da Empresa Limpa" pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União.

Em seu art. 5º, a lei prevê que constitui ato lesivo, passível de penalização, todas as condutas que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

Reforma trabalhista

Sem querer adentrar na discussão sobre a legalidade, pertinência ou correção das alterações propostas pelo projeto da reforma trabalhista, entendemos que a terceirização do trabalho e a sucessão empresarial devem ser analisadas —e obviamente discutidas— levando-se em consideração a mencionada legislação anticorrupção/da empresa limpa.

Sob este prisma, ao nosso ver, dois pontos merecem destaque. Em primeiro lugar, entendemos que o compliance ganha ainda mais importância quando houver sucessão empresarial ou terceirização do trabalho, principalmente esta quando for da atividade principal da empresa ou de setores sensíveis, com relação direta com a administração pública. É forçoso lembrar que a Lei da Empresa Limpa responsabiliza as empresas objetivamente (sem necessidade de comprovação de culpa) pelos atos lesivos praticados em seu interesse ou benefício. Assim, na hipótese de prática de ato ilícito, mesmo que por colaborador terceirizado, poderá haver aplicação de penalidade à pessoa jurídica. Portanto, imprescindível que tanto a empresa contratante quanto a contratada atentem às disposições legais e adotem mecanismos e procedimentos internos de integridade, além de zelarem pela existência e aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta. E não apenas isso. Essencial que os colaboradores terceirizados tenham conhecimento e estejam engajados no programa de compliance instituído pela empresa contratante, conhecendo os manuais de procedimentos de boas práticas e integridade e participando dos treinamentos a esse respeito.

A mesma preocupação deve nortear a sucessão empresarial porque a previsão de que as obrigações trabalhistas serão devidas apenas pelo sucessor não afasta a responsabilização do antecessor pelos eventuais atos lesivos previstos na Lei da Empresa Limpa, conforme expressa previsão nesta lei (art. 4º).

Em segundo lugar, o inciso III da Lei da Empresa Limpa considera como ato lesivo a utilização comprovada de interposta pessoa física ou jurídica para ocultação ou dissimulação dos seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados. Especialmente em tempos de discussão de novas formas de prevenir a corrupção, não podemos deixar que as a terceirização do trabalho e a sucessão empresarial sejam justamente meios de prática de atos ilícitos mediante alegação de suposto desconhecimento das boas práticas instituídas nas empresas contratantes ou pela interposição fraudulenta, em que os reais sócios e/ou beneficiários sejam acobertados por uma estrutura organizacional mais complexa.

DANYELLE GALVÃO é advogada, mestre e doutoranda em Direito Processual pela USP.

MÁRCIA PELEGRINI é advogada, mestre e doutora em Direito do Estado pela PUC-SP e professora da PUC-SP. Foi secretária-executiva do Ministério da Justiça


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