Folha de S. Paulo


Delatores emprestam novas versões a episódios da política nacional

Quando foi interrompido em rede nacional por William Bonner no último debate do primeiro turno de 2014, Aécio Neves (PSDB) esboçou um sorriso amarelo, algo constrangido. Era sua vez de responder, e Pastor Everaldo (PSC), que fizera a pergunta, havia ignorado as regras do encontro e levantado a bola para uma cortada do tucano.

Apesar do tema "Previdência", o candidato nanico decidiu atacar o PAC –vitrine de Dilma Rousseff (PT)– e pediu que Aécio comentasse se o programa era do "atraso do crescimento" ou da "aceleração da corrupção".
Com a advertência do apresentador global, o pastor gaguejou e se corrigiu. "Senador, o que você tem a me dizer sobre a Previdência?", perguntou, pouco criativo.

Depois de encerrado o debate, Everaldo foi bater à porta do camarim tucano. A dupla passou dez minutos trancada. Ao final, o pastor saiu apressado pelos corredores da TV Globo, sem comentar.

A equipe de Aécio disse que o "rival" só foi parabenizá-lo pelo desempenho.

Dois anos e seis meses depois, Fernando Reis, ex-executivo da Odebrecht, revelou em sua delação premiada o que pode ter sido o motivo da confusão deliberada do candidato do PSC: a empresa havia pedido a ele que ajudasse Aécio nos debates, em troca de doação de R$ 6 milhões.

Em mais uma dobradinha, ele e Aécio negaram a versão apresentada pelo delator.

O caso do debate é apenas um dos episódios antigos da política brasileira que ganharam nova cor –e novas explicações– com as centenas de depoimentos de ex-diretores da Odebrecht que viraram colaboradores da Lava Jato.

Foi assim com a "Carta ao Povo Brasileiro" de 2002, da qual Emílio Odebrecht diz ter sido quase um ghost-writer; com a origem do dinheiro vivo do escândalo dos aloprados em 2006 –troco de pinga, quase que literalmente–; ou com os R$ 4 milhões que supostamente desapareceram da campanha presidencial de José Serra em 2010.

A Odebrecht diz estar por trás até mesmo de declarações famosas de Lula –como uma de 2008, quando o petista disse, durante uma reunião com seu conselho político, que haviam jogado "o bagre no colo do presidente".

De acordo com Emílio, o desabafo foi originado por uma pedido dele em um encontro, para que não houvesse atraso na concessão de licenças ambientais na hidrelétrica de Santo Antônio. "Lula chegou inclusive a verbalizar nossa insatisfação com a famosa frase", orgulhou-se.

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Reprodução
Pilhas com parte do R$ 1,7mi apreendido pela PF em 2006 - Dinheiro de 'aloprados'deverá ir para a União - Justiça Federal decide repassar R$ 1,7mique foi apreendido com petistas em2006
Pilhas com parte do R$ 1,7 milhão apreendido pela PF em 2006, no escândalo dos aloprados

Escândalo dos aloprados

O que se sabia até agora
PT tentou comprar, em 2006, um dossiê contra José Serra, candidato do PSDB ao governo de São Paulo. Às vésperas da disputa, duas pessoas ligadas ao partido foram presas com R$ 1,1 milhão e US$ 249 mil em dinheiro vivo

O que as delações revelaram
O dinheiro foi "gerado" a partir de uma transação entre a Odebrecht e a Itaipava, segundo o delator Luiz Eduardo Soares. A cervejaria precisava de recursos no exterior, e a empreiteira, de verba em reais, no Brasil

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Dobradinha em debate

O que se sabia até agora
Aécio Neves (PSDB) e Pastor Everaldo (PSC) foram afinados ao último debate do primeiro turno de 2014, na TV Globo. O tucano foi o preferido do nanico na hora de direcionar suas perguntas

O que as delações revelaram
Odebrecht havia doado R$ 6 milhões ao nanico acreditando que ele teria um papel maior na campanha; quando viu que havia apostado no cavalo errado, pediu para que ele ajudasse Aécio em debates

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'Carta ao Povo Brasileiro'

O que se sabia até agora
Na disputa de 2002, Lula ainda assustava o mercado. Em junho, num documento que marcou a história do PT, o então candidato fez um grande aceno ao setor privado, o que contribuiu com sua vitória

O que as delações revelaram
Emílio Odebrecht diz que sempre tentou ajudar Lula de outras formas, além de doações. Promoveu, por exemplo, encontros dele com empresários. A famosa carta, diz o patriarca, teve "muita contribuição" da empresa

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L. C. Leite - 16.fev.2011/Folhapress
SÃO PAULO, SP, 16-02-2011, PROPINA-PSDB, Paulo Vieira, conhecido como Paulo Preto, presta depoimento no Forum Regional da Lapa sobre envolvimento do Vice Pres. do PSDB Eduardo Jorge no caso de propina nas obras do Governo Paulista. ( PODER). FOTO: L.C.Leite/FOLHAPRESS
Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, que teria arrecadado para José Serra em 2010

Sumiço do dinheiro

O que se sabia até agora
Na campanha de 2010, Paulo Vieira de Souza, ex-diretor de uma estatal em São Paulo, foi acusado por integrantes do PSDB de arrecadar ilegalmente e desviar R$ 4 milhões destinados à campanha presidencial de José Serra

O que as delações revelaram
Colaboradores da Odebrecht dizem que ele devolveu os recursos para a empresa em 2010. Posteriormente, US$ 2 milhões –que equivaliam a esse montante– teriam sido depositados para José Serra em conta no exterior

OUTRO LADO

Em nota, o engenheiro Paulo Souza diz que as delações trazem "fábulas, mentiras e calúnias":

"Fábulas, mentiras e calúnias. Esse é o resumo dessas delações, que me acusam de absurdos com tramas tão frágeis, que desdenham da competência das autoridades e não sobrevivem a uma segunda leitura.

Registro apenas três, de vários exemplos:

1. O senhor Luiz Eduardo Soares diz que retirou em minha casa R$ 4 milhões em espécie, enquanto para a mesma situação o senhor Benedicto Júnior declara o valor de R$ 7 milhões.

2. Não conheço, nunca vi, nunca falei com o senhor Jonas Barcelos.

3. O senhor Luiz Eduardo Soares disse que se reuniu comigo em abril de 2011 na DERSA. Impossível. Eu nunca me reuni com ele. Meu último dia de trabalho na companhia foi 30 de março de 2010, um ano antes.

Quero crer que se trata de um gesto de desespero, de pessoas sem caráter, com o apoio de uma empresa criminosa, que tentam pagar sua liberdade com minha honra.

Oportunamente vou por abaixo, com verdades e provas, esse roteiro fantasioso."


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