Folha de S. Paulo


Pagamento a Kassab foi negociado em um café, diz delator da Odebrecht

Alan Marques-10.nov.2016/Folhapress
O ministro de Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab, na sala de reuniões do Palácio do Planalto
O ministro de Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab, na sala de reuniões do Palácio do Planalto

Conteúdo dos acordos de delação da Odebrecht, tornados públicos nesta quarta (12) pelo STF (Supremo Tribunal Federal), detalham acusações contra o ministro Gilberto Kassab (Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), alvo de dois inquéritos abertos pelo ministro Edson Fachin.

Um deles traz os depoimentos de Benedicto Barbosa da Silva Júnior, conhecido como BJ, e Paulo Cesena. Eles afirmam que, de 2008 a 2014, fizeram pagamentos de "vantagens indevidas" a Gilberto Kassab em valores acima de R$ 20 milhões. O objetivo, segundo os delatores, era obter vantagens na Prefeitura de São Paulo e, depois, no Ministério das Cidades.

De acordo com eles, o próprio Kassab solicitou os recursos. BJ relata que em 2008 ele foi convidado para um café com o político, ocasião em que lhe foi solicitado o valor aproximado de R$ 3,4 milhões a pretexto de contribuição para campanha. Naquele ano, Kassab se candidatou à reeleição na prefeitura. O montante foi pago, diz o delator, sem registro eleitoral, de janeiro a junho de 2008.

BJ afirma também que em 2013, após a criação do PSD, Kassab solicitou novos repasses para campanhas de 2014 e para o novo partido. Os valores foram de aproximadamente R$ 17,9 milhões, pagos sem registro oficial de novembro de 2013 a setembro de 2014, segundo o delator.

Benedicto Barbosa da Silva Júnior, conhecido como BJ, em delação

Paulo Cesena e BJ afirmaram que esses valores foram alocados, para efeitos gerenciais, na empresa Odebrecht Transport, que mantinha contratos com a Prefeitura de São Paulo na área de mobilidade urbana.

Cesena disse ainda que, com a ida de Kassab para o Ministério das Cidades, em 2015, no governo de Dilma Rousseff, a Odebrecht foi beneficiada diretamente por intervenções políticas da pasta. Um dos exemplos seria um pedido deferido de crédito no programa Pró-Transporte.

Os delatores declaram que a "proeminência que Kassab tinha adquirido com a criação do PSD" motivaram os pagamentos.

Nesse inquérito, a Procuradoria-Geral da República indica a possibilidade de que Kassab tenha cometido os crimes de corrupção passiva e de lavagem de capitais.

A abertura dos inquéritos não implica culpa dos investigados. A partir da decisão, os investigadores e os advogados apresentam provas para determinar se há indício de autoria do crime ou não.

Depois disso, o Ministério Público decide se apresenta uma denúncia ou pede o arquivamento do inquérito. Se a denúncia for apresentada e aceita pelo Supremo, o investigado torna-se réu e passa a ser julgado pelo tribunal.

OBRAS EM SÃO PAULO

No outro inquérito aberto para investigar Kassab, os delatores Carlos Armando Paschoal e Roberto Cumplido tratam de pagamentos de "vantagem indevida" para agentes públicos em obras viárias de São Paulo. Kassab é citado por eles como um dos beneficiários.

Segundo Paschoal, poucos meses antes das eleições de 2008, a prefeitura e o governo do Estado de São Paulo celebraram convênios para viabilizar a execução de diversas obras viárias, que receberam o nome de Sistema Viário Estratégico Metropolitano de São Paulo.

Paschoal afirma que em 2008 se reuniu com o diretor de engenharia da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A), Paulo Vieira de Souza, conhecido como "Paulo Preto". O diretor teria oferecido à Odebrecht a participação em uma das obras do sistema viário mediante a realização de um "acordo de mercado" entre grandes e médias empresas.

Em contrapartida pelo direcionamento do contrato do túnel Roberto Marinho à empreiteira, Paulo Preto teria solicitado o pagamento de propina no valor de 5% do contrato e um adiantamento, chamado por ele de "abadá", no valor de R$ 2 milhões. A verba, de acordo com os depoimentos, seria destinado à campanha de Gilberto Kassab à reeleição.

Paschoal disse ainda que teria concordado com a propina, mas, em relação ao adiantamento, negou por já ter "contribuído diretamente com a campanha".

A Procuradoria-Geral da República indica a possibilidade de que os agentes públicos tenham cometido os crimes de corrupção passiva e de lavagem de capitais.

OUTRO LADO

Kassab se posicionou por meio de nota. "O ministro reafirma sua confiança na Justiça e ressalta que é necessário ter cautela com as informações prestadas por colaboradores, que não são provas e devem ser analisadas com isenção. As doações para suas campanhas foram realizadas em acordo com a legislação. Todas as decisões tomadas nos cargos que ocupou foram técnicas e pautadas pelo interesse público.

A Folha procurou a assessoria de Paulo Preto e aguarda um posicionamento.

O que é o caixa 2?

INVESTIGAÇÃO

O ministro Edson Fachin determinou a abertura de inquérito contra oito ministros do governo Michel Temer (PMDB), 24 senadores e 39 deputados federais. Serão abertas 76 investigações pedidas pela Procuradoria-Geral da República após as delações da Odebrecht.

Operação Lava Jato

Entre os citados estão os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB). Dois dos principais aliados de Temer, Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secreraria-Geral), também estão na lista, que abrange ainda os senadores Romero Jucá e Renan Calheiros, do PMDB, e Aécio Neves (PSDB).

No total a relação tem 98 nomes e inclui três governadores e um ministro do Tribunal de Contas da União. Algumas suspeitas da Procuradoria são corrupção, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, fraude e cartel. Fachin remeteu 201 outros casos a tribunais de instâncias inferiores envolvendo citados sem foro no Supremo –entre os mencionados estão os ex-presidentes Lula, Dilma Rousseff e Fernando Henrique Cardoso.

Os inquéritos iniciam longo trâmite. Investigarão o teor das delações, que precisarão de provas adicionais para tornar-se efetivas. Ainda há as fases de denúncia e do processo, com ampla defesa, antes do julgamento.

Chamada - A lista de Fachin

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