Folha de S. Paulo


Lava Jato tem histórico de fusão entre caixa 2, propina e doações

Zanone Fraissat - 14.nov.2014/Folhapress
SAO PAULO/SP BRASIL. 14/11/2014 -Empresario Ricardo pessoa presidente da UTC (confirmar o nome) - Policia apreende documentos - movimentacao na sede da policia federal, investigacao de empresas e construtaras envolvidas em escandalos financeiros.(foto: Zanone Fraissat/FOLHAPRESS, COTIDIANO)***EXCLUSIVO***
O empresário Ricardo Pessoa, que detalhou pagamento de caixa 2 na Lava Jato

A depender do histórico da Operação Lava Jato, será tarefa quase inviável distinguir o que é o caixa dois "com corrupção" do "sem corrupção", com contrapartidas, nas delações dos ex-executivos da empreiteira Odebrecht.

Em meio à tentativa do Congresso de elaborar uma anistia para essa prática, líderes do PSDB, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e o ministro do Supremo Gilmar Mendes passaram neste mês a defender uma diferenciação entre esses repasses.

Na Lava Jato, porém, segundo os depoimentos de delatores, os pagamentos via caixa dois saíam da mesma mesma fonte, uma espécie de "conta corrente da propina", que era calculada com base nos valores de contratos públicos que grandes construtoras tinham.

Os detalhes de pagamentos via caixa dois de empreiteiras foram esmiuçados em depoimentos ao longo da operação, desde 2014, que indicam uma profunda mistura entre essa prática, os repasses de propina e as doações oficiais. No caso da Odebrecht, os depoimentos dos delatores ainda não foram tornados públicos.

O empresário Júlio Camargo, que foi um dos primeiros delatores da Lava Jato, chegou a dizer que "não era da sua conta" o que era feito com o dinheiro que pagava para manter seus negócios na Petrobras.

Ele e o doleiro Alberto Youssef afirmam que o volume de pagamentos a políticos aumentava em épocas de campanha para financiar os gastos eleitorais. A motivação, no entanto, era a mesma: garantir o apoio político em contratos públicos.

Por que o Congresso quer anistiar o caixa 2?

Camargo chegou a citar em uma audiência até o caso do ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Segundo o delator, Cunha cobrou em meio à campanha municipal de 2012 pagamentos, que tinham origem em contratos da Petrobras, para financiar seus aliados na eleição. O ex-deputado vem negando as acusações feitas.

Pelos relatos dos delatores, em casos que em sua maioria já tiveram sentença expedida em primeira instância, o percentual de propina em contratos da Petrobras era de 1%. Parte dos valores ia para agentes da estatal, como diretores e gerentes, e parte era destinado ao que já foi chamado por empresários de "entendimentos políticos".

O empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC, entregou em seu acordo de colaboração uma lista de pagamentos em caixa dois, que ainda estão sendo analisados em inquéritos no Supremo.

Ele listou ocasiões em que houve entrega de dinheiro em espécie para caixa dois de campanha e disse que Alberto Youssef era "como se fosse um banco de valores" –era o "guardador" de seu dinheiro vivo.

O ex-executivo da Camargo Corrêa Eduardo Leite disse à Justiça Eleitoral que a "obrigação" do grupo era pagar o 1%, como acertado com o então tesoureiro do PT João Vaccari, sugerindo que isso independia da forma. "Ele pode ter falado propina, pixuleco, qualquer coisa", disse.

REPERCUSSÃO

A própria Procuradoria-Geral da República, em documentos sobre a Odebrecht, tenta distinguir repasses eleitorais sem contrapartida, o "caixa dois do bem", e os que envolvem expectativa de algo definido em troca.

O advogado especialista em direito eleitoral Luciano Santos, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, diz que essa discussão nunca ocorreu na Justiça Eleitoral e que o assunto só entrou em debate agora porque, com as delações premiadas, há um detalhamento muito maior sobre a prática.

"O que se imagina é que o caixa dois do bem vai ser o 'meu' e o do mal vai ser 'o dos outros'. É subjetivo demais, não dá para fazer essa distinção", afirma ele.

Se o dinheiro chegou de forma ilegal, diz, ele pode estar "contaminado" por lavagem de dinheiro, sonegação ou falsidade ideológica.

Editoria de arte/Folhapress
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