Folha de S. Paulo


Odebrecht pagou fora do país R$ 8 milhões a membro do FI-FGTS

Paulo Whitaker/Reuters
Sede da Odebrecht em São Paulo
Sede da Odebrecht em São Paulo

A Odebrecht pagou em 2009 R$ 8 milhões a título de "consultoria" para que um membro do comitê do Fundo de Investimento do FGTS (FI-FGTS) ajudasse uma das empresas do grupo a captar R$ 650 milhões do próprio fundo.

O relato consta na delação premiada que Fernando Reis, ex-presidente da Odebrecht Ambiental, assinou na Operação Lava Jato.

O consultor pago pela Odebrecht para ajudar no negócio é André Luiz de Souza, indicado pela CUT (Central Única dos Trabalhadores) para fazer parte do grupo de apoio permanente que assessora o conselho e o comitê de investimento do FI-FGTS.

O contato entre a Odebrecht e Souza começou em 2008, quando o grupo baiano apresentou ao comitê do FI-FGTS um projeto preliminar para tentar capitalizar investimento para a expansão da área ambiental do grupo, que acabava de nascer.

O comitê de investimentos do FI-FGTS solicitou à Odebrecht uma proposta formal e estruturada do plano de investimento oferecido pelo grupo baiano.

Para isso, a Odebrecht contratou consultores de várias áreas -entre eles estava André Luiz, então membro suplente do comitê do FI-FGTS.

A combinação entre a Odebrecht Ambiental e André Luiz de Souza era que o pagamento de R$ 8 milhões só aconteceria após o sucesso do negócio.

Em setembro de 2009 a operação foi aprovada e o FI-FGTS comprou 25% da Odebrecht Ambiental pelo valor de R$ 650 milhões.

André Luiz não participou da votação que aprovou a participação do fundo na Odebrecht Ambiental.

A Odebrecht pagou André Luiz de Souza por meio de uma conta emprestada de um funcionário da empresa no banco Credit Suisse, em Zurique, na Suíça.

HISTÓRICO

Essa não é a primeira aparição de André Luiz de Souza na Lava Jato.

É ele o "André" citado na troca de e-mails entre Marcelo Odebrecht e executivos do grupo baiano em que conversam sobre a negociação de sondas com sobrepreço vendidas para a Petrobras.

A troca de mensagens foi usada pelo juiz federal Sergio Moro para decretar a prisão do herdeiro da empreiteira.

Uma reportagem da Folha mostrou que, em março de 2011, quando os e-mails foram escritos, André tinha dupla militância.

De um lado, negociava a criação do polo industrial com as empreiteiras do estaleiro Enseada, na Bahia. De outro, fazia parte do comitê de investimentos do FI-FGTS.

Ele também já foi delatado pelos donos da Carioca Engenharia, Ricardo Pernambuco e Ricardo Pernambuco Junior.

Os empresários afirmam ter feito cinco repasses a Souza no exterior. Os depósitos somaram US$ 400 mil e foram feitos em uma conta de um banco em Genebra, na Suíça.

A empresa offshore que foi usada para transferir dinheiro é a mesma que serviu para repassar propina a nove contas no exterior em benefício do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso no Paraná.

Nos depoimentos, os donos da Carioca afirmaram que os pagamentos ao ex-conselheiro tiveram relação com o Porto Maravilha, no Rio.

André Luiz de Souza deixou o FI-FGTS em julho de 2011.

VIDA SINDICAL

Em 2002, Souza participou da elaboração do programa de governo de Luiz Inácio Lula da Silva para a área de habitação.

À época representante da CUT no GAP (Grupo de Apoio Permanente) do FGTS, ele colaborou para o desenho do Ministério das Cidades, criado em 2003 com foco em projetos de habitação.

Apontado pelos petistas como um técnico, ele circulava com desenvoltura pelo prédio do ministério, mantendo boa relação com a cúpula da pasta.

Ele chegou à política pelas mãos do hoje tucano Edsom Ortega. Filho de família humilde e numerosa, André Luiz foi cabo eleitoral da chapa de Tuga Angerami (PMDB) à Prefeitura de Bauru, na campanha de 1982.

Com a vitória, conseguiu um cargo de terceiro escalão na Cohab. Em 1989, foi indicado para a Cohab de Santos na gestão da petista Telma de Souza.

Em 1995, Ortega foi convidado para integrar o governo FHC. Ele indicou André Luiz para a vaga que ocupava: representante da CUT no GAP, que assessora o conselho curador do FGTS na seleção de projetos para destinação de seus recursos.

Ele foi consultor da CUT no conselho do FGTS, de 1994 a 2004. A partir daí, foi consultor da bancada dos trabalhadores no FI-FGTS, representando centrais sindicais.

OUTRO LADO

O advogado de André Luiz de Souza, Angelo Bellizia, disse que não teve acesso ao conteúdo da delação que cita seu cliente, que está sob segredo de justiça, e por isso não vai se manifestar. "Só iremos nos manifestar nos autos do processo", disse.

Procurada, a Odebrecht enviou uma nota em que diz que "a empresa não se manifesta sobre o conteúdo de depoimentos das pessoas físicas".


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