Folha de S. Paulo


Novo chanceler iniciou sua trajetória na luta armada contra a ditadura

Alan Marques - 11.mai.2016/Folhapress
Senador Aloysio Nunes Ferreira, novo líder do governo na Casa
O senador Aloysio Nunes, escolhido por Temer para o Ministério das Relações Exteriores

Quando soube que seu nome era a primeira opção do presidente Michel Temer para o Ministério das Relações Exteriores, Aloysio Nunes (PSDB-SP) não escondeu que torcia o nariz para a ideia.

Foi na noite do último dia 22, logo após José Serra pedir demissão da pasta. Em oito dias, mudou genuinamente de posição. Convidado nesta quinta (2), disse estar honrado. Comunicou emocionado sua decisão aos mesmos auxiliares a quem havia manifestado, primeiro, contrariedade e, depois, dúvida sobre a proposta. Ninguém, porém, se espantou. Ao contrário.

O novo ministro construiu sua trajetória se metamorfoseando. Iniciou a militância política como guerrilheiro, na luta armada contra a ditadura militar. E, agora, se prepara para ser chanceler.

O tucano, hoje com 71 anos, tinha 23 quando se uniu à ALN (Ação Libertadora Nacional), organização liderada por Carlos Marighella.

No grupo, atuou em um dos ataques mais célebres da guerrilha à ditadura, o assalto ao trem pagador Santos-Jundiaí, em 1968. Na época, coube a Aloysio dirigir um Fusca roubado, usado na fuga dos parceiros no ato.

O tucano nunca escondeu o passado radical. À Folha, em 2014, quando concorria a vice-presidente na chapa de Aécio Neves (PSDB-MG), relembrou a tensão que viveu na noite que antecedeu o assalto.

"Eu pensava: e se não der certo? E se for preso? E, se preso, for torturado? E se, torturado, eu falar? Sabe... Era um pavor. Muito medo. Me lembro disso, mas de ter dormido, não."

Para escapar da ditadura, usou outros nomes, "sempre evangelistas". Foi Mateus, foi Lucas. Passou pelo Partido Comunista Brasileiro, fugiu para Paris. Desistiu da luta armada. Filiou-se ao MDB, nascedouro do PMDB e, depois, se fixou no PSDB.

No tucanato, foi, primeiro, escudeiro de Serra. Em 2014, conquistou a confiança de Aécio.

Aloysio é visto pelos colegas de bancada como um homem erudito, de posições firmes e "sangue nas veias". Eleito senador por São Paulo em 2010, ganhou projeção nacional quatro anos depois como candidato a vice.

Meses antes da eleição, chegou a chamar de "filho da puta" um blogueiro que o acusou de ligações com um suposto esquema de desvios em obras do metrô paulista. "Não tenho sangue de barata", justificou à época.

Citado por um delator da Lava Jato, é alvo de uma investigação no STF (Supremo Tribunal Federal) por crime eleitoral. Sempre negou qualquer irregularidade.

Aloysio foi um dos primeiros tucanos a se engajar nos protestos de rua contra Dilma Rousseff, em 2015. Àquela altura, no Parlamento, já travava uma batalha contra o governo petista numa seara que, agora, o catapultou ao Itamaraty.

No início do segundo mandato da petista, Aloysio ficou com a presidência da Comissão de Relações Exteriores do Senado. Sua ascensão ao posto coincidiu com o agravamento da crise política no Brasil e com a escalada de tensão em países vizinhos, em especial na Venezuela.

Ele viu na timidez do Planalto diante do governo de Nicolás Maduro uma oportunidade. Na ação mais estridente, organizou uma viagem de senadores da oposição a Dilma a Caracas.

Sua comitiva não conseguiu sair da área do aeroporto, mas a mobilização venezuelana para barrar a visita ganhou destaque no noticiário, ampliando as críticas sobre a apatia de Dilma diante do cenário naquele país. "Todo ditador tende a enlouquecer. Esse Nicolás Maduro, enlouqueceu", disse à época.

No auge da disputa pelo impeachment, usou o posto na comissão para contraditar o discurso de que Dilma era vítima de "golpe". Defendeu a legalidade da cassação da petista em artigos em espanhol e em visita aos EUA. Logo após a troca de guarda no Planalto, foi nomeado líder do governo Temer no Senado.

No fim do ano passado, antes de sequer sonhar ser chanceler, disse que Donald Trump representava "o partido republicano de porre".

"É o que há de pior, de mais incontrolado, de mais exacerbado entre os integrantes de seu partido. Agora é observar como ele se comporta", escreveu após a vitória do político.

A vitória de Mauricio Macri, ao contrário, foi elogiada: "um triunfo da liberdade contra a variante argentina do bolivarianismo".

Língua afiada é vista com desconfiança na diplomacia, mas há quem aposte que o estilo de Aloysio pode dar certo. "Há momentos em que é preciso deixar claro o que se pensa e isso ele faz", diz o amigo e embaixador Eduardo Saboia.

Diplomata, Saboia ganhou notoriedade ao patrocinar, em 2013, a fuga para o Brasil do senador boliviano Roger Pinto Molina (um opositor do governo Evo Morales) à revelia do governo Dilma. O episódio levou à queda do então chanceler, Antonio Patriota.

Afastado das funções, Saboia trabalhou com Aloysio na comissão do Senado. Quando Temer assumiu a Presidência, o diplomata foi alçado ao topo da carreira.

Aloysio assumirá o Itamaraty disposto a imprimir sua marca no governo Temer em tempo recorde. Planeja disputar a reeleição em 2018 e sinaliza não ter mudado de ideia –até agora. "Se tiver que sair do governo, saio", confidenciou a aliados.


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