Folha de S. Paulo


Advogados brasileiros atuam em rede internacional contra fraudes

Zo Guimaraes/Folhapress
O advogado João Accioly, um dos representantes da FraudNet no Brasil
O advogado João Accioly, um dos representantes da FraudNet no Brasil

A divulgação dos documentos conhecidos como "Panama Papers" e as investigações da Lava Jato sobre o escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca em 2016 escancararam a atuação de advogados que criam empresas sediadas em paraísos fiscais, as offshores, com o objetivo de ocultar dinheiro sujo desviado.

Há um grupo de advogados que atua exatamente do outro lado desse balcão.

Em 2004, a Câmara de Comércio Internacional organizou uma rede de profissionais de diferentes escritórios para atender vítimas de fraudes, corrupção e crimes comerciais, a FraudNet.

Além das tradicionais medidas judiciais, os advogados montam times investigativos para descobrir onde estão os ativos tirados ilegalmente de entes públicos e privados.

Hoje o grupo conta com 76 membros distribuídos em diferentes escritórios de advocacia de 66 países.

Advogados da FraudNet já trabalharam para clientes brasileiros em casos de grande repercussão.

O mais famoso deles foi o processo na Corte da Ilha de Jersey iniciado em 2009 contra duas empresas offshore cujo controle foi atribuído ao ex-prefeito e atual deputado federal Paulo Maluf (PP-SP).

A Procuradoria-Geral do Município de São Paulo contratou advogados da rede que atuam em Jersey, que acusaram as companhias de receberem dinheiro desviado por Maluf na gestão dele em São Paulo, que foi de 1993 a 1996.

Com base em provas fornecidas pelo Ministério Público paulista, a Justiça da ilha reconheceu o vínculo de Maluf com as empresas e as condenou a devolverem US$ 32 milhões aos cofres públicos brasileiros. Maluf sempre negou ter cometido qualquer crime ligado às duas companhias.

Membros da FraudNet também foram contratados pela administração pública no caso dos desvios nas obras de construção do Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo, que levou à condenação do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau.

Na esfera privada, a rede atuou no caso do Banco Santos, do banqueiro Edemar Cid Ferreira, que teve falência decretada em 2005 e deixou um rombo de R$ 3,6 bilhões.

No Brasil, os representantes da FraudNet são o advogado João Accioly, da Advocacia Sobrosa & Accioly, do Rio de Janeiro; Antenor Madruga (Brasília), do escritório Feldens Madruga, de Brasília; e Henrique Forssell, do Krikor Kaysserlian Duarte e Forssell Advogados Associados, de São Paulo.

Último brasileiro a ser convidado a integrar a FraudNet, Accioly diz que os custos para contratar os serviços de profissionais da rede em casos de grandes fraudes é de, em média, US$ 5 milhões (cerca de R$ 16,4 milhões).

O advogado reconhece que muitas vezes as vítimas não têm recursos suficientes para bancar a contratação de membros da FraudNet.

Ele aponta, porém, que surgiram no mercado fundos de investimento que patrocinam as empreitadas para recuperar ativos, em troca de uma grande fatia do bolo em caso de sucesso. "O crescimento do 'litigation funding' [financiamento para adoção de medidas judiciais] tem permitido o acesso a uma Justiça efetiva a quem em outras épocas estaria privado pelos próprios fraudadores dos recursos necessários para se defender."

Ao detalhar sua atuação, o advogado conta que certa vez tomou conhecimento sobre documento elaborado por um fraudador que seria o "mapa da mina" para seus clientes.

Em seguida, fez uma pesquisa para saber quais locais de trabalho ele havia ocupado nos últimos anos, e descobriu que em um deles havia um cofre. Então pediu autorização ao inquilino à época e, após examinar o cofre, encontrou o documento.

Muitas vezes o trabalho inclui também a contratação de investigadores para fazer campanas e seguir pessoas cuja movimentação pode revelar os locais onde estão os valores desviados.

Segundo Accioly, quando um fraudador entra em um carro de luxo, um iate ou uma mansão, ele pode estar indicando o caminho das pedras para o sucesso da FraudNet.


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