Folha de S. Paulo


Brasil pode se inspirar no acordo da Colômbia

Agora que as manobras táticas do Legislativo brasileiro para proteger seus membros contra processos e sentenças de prisão por corrupção e outros crimes se tornaram uma batalha aberta contra o muito respeitado Judiciário do país (e também contra sua Constituição), pode ter chegado a hora de as autoridades brasileiras contemplarem seriamente o sucesso recente da Colômbia em chegar a um acordo com a organização guerrilheira Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

O presidente Juan Manuel Santos receberá o Prêmio Nobel da Paz em 12 de dezembro por sua liderança na iniciativa de paz, que precisou de quatro anos de lentas e frustrantes negociações e obteve aprovação final do Congresso na semana passada. A experiência colombiana pode oferecer um caminho para enfrentar a ruinosa prática brasileira da corrupção –talvez tão custosa para o futuro econômico e político do Brasil quanto o conflito armado continuado o foi para a Colômbia.

Seguindo o exemplo de Santos, o governo de Michel Temer teria primeiro de testar se os líderes legislativos do Brasil estão dispostos a conduzir negociações sérias, e preparados para fazer concessões que efetivamente restrinjam a corrupção generalizada no país ou pelo menos ofereçam solução melhor do que a atual abordagem caso a caso que envolve investigações criminais e julgamentos.

O passo seguinte seria que Temer constituísse uma comissão especial para conduzir as negociações em nome do governo. De sua parte, as duas câmaras do Congresso selecionariam conjuntamente os seus negociadores. Como exatamente as discussões entre as duas partes poderiam proceder, e que forma um acordo final teria, são questões abertas a conjecturas. Mas muitos elementos das negociações colombianas certamente seriam relevantes.

Na Colômbia, por exemplo, todos os guerrilheiros –dos comandantes aos soldados rasos– devem se desmobilizar e entregar suas armas. O paralelo para o Brasil poderia ser que cada um dos quase 600 deputados e senadores do país renunciasse ao seu assento no Congresso. E como os combatentes da guerrilha colombiana, cada legislador teria de comparecer a um tribunal especialmente constituído e confessar os crimes cometidos.

Por que os legisladores concordariam em fazê-lo? Pode ser que não o façam, mas se fizerem, será em geral pela mesma razão por que os combatentes da Farc concordaram em se render. O Judiciário brasileiro está travando uma batalha aberta, e altamente efetiva, contra a corrupção, e muitos deputados e senadores estão em risco de investigação e processo judicial –e buscam desesperadamente evitar a condenação, a perda de suas carreiras e sentenças de prisão.

Caso o modelo colombiano seja seguido, os legisladores, desde que ofereçam confissões completas, enfrentariam punição apenas modesta –algumas restrições aos seus direitos e liberdades, a restituição do dinheiro recebido como propina e suborno, e a proibição de ocupar cargos públicos por dado período. Mas deixariam de encarar a possibilidade de uma longa sentença de prisão e poderiam evitar uma completa exposição pública de seus sórdidos crimes. Para isso, é claro, muitos detalhes teriam ser definidos. Os colombianos precisaram de quatro anos para chegar a um acordo.

Se a maioria dos legisladores admitisse seus crimes, mais de metade dos deputados e senadores brasileiros provavelmente perderiam seus postos –o que inclui grande proporção das lideranças do Congresso. Isso seria um golpe sólido contra a corrupção no Brasil, e um triunfo para a transparência, bem como um Legislativo mais forte e respeitado.

Mas resta uma tarefa crucial: garantir que os candidatos a ocupar os postos assim deixados vagos sejam honestos e não estejam envolvidos em escândalos, para evitar que as novas eleições simplesmente sirvam para substituir um grupo de políticos corruptos por outro. Na prática, essa tarefa caberia principalmente aos eleitores brasileiros. Se eles conseguirem superar esse desafio serão, como Santos, merecedores de um prêmio Nobel.

PETER HAKIM é presidente emérito da Inter-American Dialogue

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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