Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Contexto de crise no Supremo é de autofagia institucional

A crise política protagonizada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana foi consequência de um somatório de problemas institucionais e imprudências pessoais, em especial de um claro processo de exacerbação das individualidades dos magistrados em detrimento da colegialidade que deveria marcar a vida de qualquer tribunal.

No ano passado, para que se tenha uma ideia, quase 90% das decisões do Supremo foram tomadas pelos gabinetes de seus ministros, sendo o plenário responsável por menos de 3% das decisões.

É nesse contexto que devemos compreender a falta de cerimônia do ministro Marco Aurélio Mello em proferir uma decisão monocrática, em sede cautelar, que simplesmente afastou de seu posto o presidente do Senado Federal.

A justificativa do ministro foi de que já havia um consenso dentro do tribunal de que aqueles que se encontram na linha sucessória da Presidência da República deveriam dela ser afastados caso viessem a ser tornar réus. O fato é que esse consenso não existia. Até porque o julgamento, apesar da sua urgência, foi interrompido por pedido de vista do ministro Dias Toffolli, em novembro, também sem qualquer cerimônia.

A esses equívocos, que se tornaram prática comum dentro do tribunal, somou-se o petardo lançado por Gilmar Mendes contra seu colega de bancada, acirrando ainda mais a fratura dentro do STF.

Não surpreende, nessas circunstâncias, que o presidente do Senado tenha se sentido à vontade para afrontar a decisão de um ministro do Supremo, sem que isso lhe tenha causado qualquer consequência, além de alguns puxões públicos de orelha.

Nos momentos finais do julgamento também causou certa perplexidade a preocupação manifesta por Luiz Fux sobre as eventuais consequências do afastamento do presidente do Senado para o bom andamento das propostas de reforma em tramitação no Congresso, em detrimento da função precípua do tribunal que é guardar a Constituição.

Nesse contexto de autofagia institucional, o Supremo pode estar perigosamente colocando em xeque a própria autoridade de árbitro imparcial da crise política na qual estamos metidos, para se transformar em mais um partícipe deste imbróglio. E isso é tudo o que não precisamos no momento.


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