Folha de S. Paulo


Pacote de dez medidas atinge os mais pobres, diz Defensoria do Rio

A Defensoria Pública do Estado do Rio é crítica às propostas anticorrupção do Ministério Público Federal por acreditar que terão impacto, principalmente, sobre as camadas mais pobres da população.

No entendimento da Defensoria, diversas medidas propostas, como o aumento do prazo de prescrição de crimes e a admissão de provas ilegais no curso do processo, aumentarão o caráter repressor do Estado.

Segundo o defensor público-geral do Rio, André Castro, o problema do sistema penal brasileiro não é a falta de leis, mas a seletividade da Justiça, que, em sua interpretação, pune mais os pobres do que políticos e cidadãos de maior renda.

"Ninguém é contra o combate à corrupção. Isso é unânime. As medidas não versam apenas sobre corrupção de agentes públicos, mas sobre diversos crimes, com o efeito de reduzir direitos de todos os que são acusados no sistema penal", disse.

A Defensoria lançou site em que faz críticas aos projetos, chamado "Dez medidas em xeque". Castro diz que é preciso que se faça um debate mais amplo na sociedade a respeito das medidas antes da votação, prevista para esta terça (29) no plenário da Câmara –depois, seguirão para o Senado.

Ele, inclusive, questiona o nome do projeto. "Não são dez medidas apenas. São propostas mais de 70 mudanças no código penal".

As críticas de Castro recaem principalmente sobre o texto original do Ministério Público Federal, mas há mudanças propostas pelos deputados que poderiam ferir ainda mais o amplo direito de defesa.

Um exemplo foi a adoção do chamado "plea bargain", instrumento muito utilizado na Justiça americana em que o réu negocia com a Promotoria redução de pena mediante admissão de culpa.

O mecanismo, segundo Castro, irá contribuir para o chamado "encarceramento em massa" da população de baixa renda.

Segundo ele, haverá pressão das Promotorias para que os réus assumam culpa, em detrimento de ter seu caso avaliado por um juiz.

Para ele, quem não tiver dinheiro para, por meio de advogados, construir provas a seu favor no curso do processo, será pressionado a aceitar a negociação.

Segundo ele, o habeas corpus é um instrumento antigo, que não pode ser modificado. A aceitação de provas ilícitas, sustenta, é um passo para regimes de exceção.

"O dispositivo sugerido pelo MPF diz que serão admitidas provas ilícitas quando o promotor estiver de boa fé. É um grau de subjetividade muito grande. O texto lembra inclusive o do AI-5."

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AS MEDIDAS EM DISCUSSÃO

Câmara discute pacote baseado em propostas do Ministério Público

O QUE É O PACOTE

  • Intitulado "dez medidas contra a corrupção", traz propostas de mudanças na legislação para dar celeridade aos processos judiciais, além de endurecer punições
  • As medidas foram concebidas pela força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba e, posteriormente, encampadas pela Procuradoria-Geral da República

PROPOSTAS

1. Prevenção à corrupção, transparência e fontes de informação dos investigadores
Aplicação de "teste de integridade" no serviço público, após treinamento, sem consequências
penais para o servidor
Divulgação estatística dos processos, cíveis e penais, referentes à corrupção
Amparo legal ao informante, que passa a ser chamado de informante confidencial

2. Crime de enriquecimento ilícito de funcionários públicos
Tipifica o crime, com pena de 3 a 8 anos, mais multa

3. Crimes contra a administração pública
Eleva penas para crimes contra a administração pública e os coloca no rol de crimes hediondos caso o valor desviado seja maior do que cem salários mínimo (R$ 88 mil hoje)

4. Recursos
Extinguem-se recursos considerados meramente protelatórios

5. Ação de improbidade administrativa
Agiliza o processo e confere legitimidade ao Ministério Público para celebrar acordo de leniência com pessoas físicas e jurídicas

6. Prescrição
Endurece as regras para que os réus se livrem devido à morosidade judicial

7. Provas
Dificulta a anulação de provas, mas as obtidas de maneira ilegal, mesmo de boa-fé, continuam inválidas

8. Caixa dois
Criminaliza especificamente o crime de caixa dois eleitoral e responsabiliza também os partidos políticos pela prática

9. Bancos e a Justiça
Estabelece multa a bancos por descumprimento de ordem judicial

10. Perda de bens
Estabelece perda de bens ou valores que tenham origem em atividade ilícita grave

11. Delação
Cria a figura do "reportante do bem". A pessoa que passar informação sobre crime ao qual não esteja envolvida terá direito a proteção de identidade e receberá parte dos valores ressarcidos e das multas aplicadas aos infratores

12. Acordos
Defesa e acusação poderão em crimes menos graves
fazer um "acordo de culpa", com definição da pena, cabendo ao juiz a homologação. Objetivo é simplificar os processos e desafogar a Justiça.

13. Combate à corrupção e lavagem de dinheiro
Cria comissões permanentes e sistema de base de dados com o objetivo de combater a corrupção e a lavagem de dinheiro

14. Cumprimento da pena
Deixa claro na legislação a recente jurisprudência do STF para que o cumprimento da pena tenha início após a conclusão na segunda instância.

15. Cooperação internacional na área da Justiça
Estabelece regras para cooperação jurídica internacional

16. Forças-tarefas
Regulamenta a formação de forças-tarefas binacionais ou multilaterais para apurar crimes graves que ultrapassem as fronteiras nacionais

17. Ação popular
Reforma as regras da ação popular, ampliando o alcance da medida

18. Punição a juízes, procuradores e promotores
Possibilita a juízes e membros do Ministério Público responder por crimes de responsabilidade

CRONOLOGIA

29.mar
Ministério Público Federal entrega ao Congresso o pacote

7.jul
Mais de três meses depois, Câmara institui comissão especial para analisar as medidas

9.nov
Onyx Lorenzoni (DEM-RS) apresenta seu relatório

16.nov
Data marcada para o início da discussão e votação pelo grupo; pauta é adiada

17.nov
Novo adiamento da votação, por falta de quorum


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