Integrante da força-tarefa da Lava Jato em Brasília, o procurador Ronaldo Pinheiro de Queiroz diz que é preciso aprovar com urgência a proposta das "Dez medidas contra a corrupção", que muda o sistema de prescrição de crimes, para ele hoje "uma fábrica de impunidade".
A comissão da Câmara que analisa o tema deve votar nesta terça (22) o parecer feito pelo relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS) com propostas baseadas no projeto do Ministério Público Federal.
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Folha - O projeto original das "Dez medidas contra a corrupção" sofreu alterações no Congresso, com a retirada e inclusão de assuntos. Agora possui 18 temas. Como avalia as alterações?
Ronaldo Pinheiro de Queiroz - Seria antidemocrático por parte do Ministério Público entender que o Parlamento teria que apenas carimbar as medidas da forma que foram entregues. A nossa preocupação é que pelo menos não se perca a essência das "Dez medidas". No caso da medida 18, foi criado um novo tipo de crime de responsabilidade só para membros da magistratura e do Ministério Público, o que pode intimidar as instituições de combate à corrupção. O crime de responsabilidade tem natureza político-administrativa e é para autoridades de alto escalão que tenham poder de gestão, como presidente da República.
Folha - Nos acréscimos ao projeto há algo positivo?
Sim, a lei do reportante de boa fé foi muito sabiamente incluída pelo relator. Ela estimula qualquer cidadão a reportar um caso de corrupção de que tenha conhecimento. Estabelece prêmios para aqueles que contribuírem efetivamente e medidas de proteção contra retaliação. Se o dinheiro for recuperado, ele tem uma parcela disso, uma recompensa.
Dentre as medidas, quais necessitam de aprovação mais urgente?
A elevação das penas do crime de corrupção de acordo com a quantidade do valor que foi desviado. Também o acordo de leniência [acordo de delação entre empresas e autoridades] expressamente na lei de improbidade administrativa.
A parte que regula a prescrição também é medida extremamente importante, pois a prescrição no Brasil tem peculiaridades, e a prática tem mostrado que ela é uma verdadeira fábrica de impunidade.
Parte dos advogados diz que as mudanças propostas para o regime de prescrição ferem direitos dos acusados. Como o sr. vê essa crítica?
Não vejo nenhuma inconstitucionalidade nessa medida. [A prescrição] é uma estratégia de defesa em alguns caso, quando o mérito não é bom para o cliente.
Temos um sistema recursal que vai quase ao infinito. Um sistema recursal desregulado como o nosso, aliado ao sistema de prescrição, gera impunidade.
Os advogados também dizem que as medidas fortalecem o Ministério Público e causam desequilíbrio na relação com a defesa. Como avalia essa questão?
Não concordo, até porque a maioria das medidas do pacote não é uma invenção e está prevista em tratados internacionais.
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AS MEDIDAS EM DISCUSSÃO
Câmara discute pacote baseado em propostas do Ministério Público
O QUE É O PACOTE
- Intitulado "dez medidas contra a corrupção", traz propostas de mudanças na legislação para dar celeridade aos processos judiciais, além de endurecer punições
- As medidas foram concebidas pela força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba e, posteriormente, encampadas pela Procuradoria-Geral da República
PROPOSTAS
1. Prevenção à corrupção, transparência e fontes de informação dos investigadores
Aplicação de "teste de integridade" no serviço público, após treinamento, sem consequências
penais para o servidor
Divulgação estatística dos processos, cíveis e penais, referentes à corrupção
Amparo legal ao informante, que passa a ser chamado de informante confidencial
2. Crime de enriquecimento ilícito de funcionários públicos
Tipifica o crime, com pena de 3 a 8 anos, mais multa
3. Crimes contra a administração pública
Eleva penas para crimes contra a administração pública e os coloca no rol de crimes hediondos caso o valor desviado seja maior do que cem salários mínimo (R$ 88 mil hoje)
4. Recursos
Extinguem-se recursos considerados meramente protelatórios
5. Ação de improbidade administrativa
Agiliza o processo e confere legitimidade ao Ministério Público para celebrar acordo de leniência com pessoas físicas e jurídicas
6. Prescrição
Endurece as regras para que os réus se livrem devido à morosidade judicial
7. Provas
Dificulta a anulação de provas, mas as obtidas de maneira ilegal, mesmo de boa-fé, continuam inválidas
8. Caixa dois
Criminaliza especificamente o crime de caixa dois eleitoral e responsabiliza também os partidos políticos pela prática
9. Bancos e a Justiça
Estabelece multa a bancos por descumprimento de ordem judicial
10. Perda de bens
Estabelece perda de bens ou valores que tenham origem em atividade ilícita grave
11. Delação
Cria a figura do "reportante do bem". A pessoa que passar informação sobre crime ao qual não esteja envolvida terá direito a proteção de identidade e receberá parte dos valores ressarcidos e das multas aplicadas aos infratores
12. Acordos
Defesa e acusação poderão em crimes menos graves
fazer um "acordo de culpa", com definição da pena, cabendo ao juiz a homologação. Objetivo é simplificar os processos e desafogar a Justiça.
13. Combate à corrupção e lavagem de dinheiro
Cria comissões permanentes e sistema de base de dados com o objetivo de combater a corrupção e a lavagem de dinheiro
14. Cumprimento da pena
Deixa claro na legislação a recente jurisprudência do STF para que o cumprimento da pena tenha início após a conclusão na segunda instância.
15. Cooperação internacional na área da Justiça
Estabelece regras para cooperação jurídica internacional
16. Forças-tarefas
Regulamenta a formação de forças-tarefas binacionais ou multilaterais para apurar crimes graves que ultrapassem as fronteiras nacionais
17. Ação popular
Reforma as regras da ação popular, ampliando o alcance da medida
18. Punição a juízes, procuradores e promotores
Possibilita a juízes e membros do Ministério Público responder por crimes de responsabilidade
CRONOLOGIA
29.mar
Ministério Público Federal entrega ao Congresso o pacote
7.jul
Mais de três meses depois, Câmara institui comissão especial para analisar as medidas
9.nov
Onyx Lorenzoni (DEM-RS) apresenta seu relatório
16.nov
Data marcada para o início da discussão e votação pelo grupo; pauta é adiada
17.nov
Novo adiamento da votação, por falta de quorum
22.nov
Comissão deve votar parecer