Folha de S. Paulo


Análise

Livro analisa 'léxico da porrada' de manifestações de 2013

As jornadas de junho de 2013 foram um fenômeno avassalador não só pelas dimensões dos movimentos de massa que varreram o país, mas também (sobretudo?) por sua eclosão inesperada e de fermentação insuspeita.

Três anos e um impeachment depois, a despeito do risco de autopsiar uma história ainda viva, surgem tentativas de leitura para além da arena política. É a essa linha que se filia o ensaio "A Forma Bruta dos Protestos - Das Manifestações de Junho de 2013 à Queda de Dilma Rousseff em 2016", de Eugênio Bucci.

A obra é um híbrido de capítulos com linguagem mais jornalística e outros com inclinação acadêmica, à feição do autor, acostumado a trafegar por diferentes instâncias. Jornalista, professor da USP, colunista de "O Estado de S. Paulo" e da revista "Época", Bucci também foi presidente da Radiobrás de 2003 a 2007 (governo Lula).

O leitor pouco familiarizado com o instrumental teórico próprio da academia pode estranhar, mas não vai se sentir desamparado: a veia jornalística do autor faz o que pode para tornar compreensíveis conceitos intrincados e poucos hospitaleiros (palavras dele), que transitam por linguística, psicanálise, estética, semiótica, filosofia. É a parte mais árida do ensaio, mas a mais instigante e potencialmente controversa.

Bucci avalia que as intenções políticas das passeatas de 2013 podem ter sido um aspecto acessório, e não seu motor principal. A hipótese: a emergência tecnológica e social de novas linguagens deu vazão a insatisfações que estavam represadas, não por obra de aparatos repressivos ou da manipulação da informação, mas pela escassez de meios. Com a interconexão, "o levante explodiu".

O autor credita parte dessa eclosão a uma mimetização de rebeliões registradas em outras partes do mundo, de Seattle a Frankfurt, da Primavera Árabe à praça Sintagma.

O mimetismo explicaria os black blocs, tribo de DNA globalizado, cuja tática seria assimilada não em grupos de doutrinação, mas em vídeos da rede. Nessa perspectiva, sua violência é exercida mais a serviço da performance do que da plataforma política.

Não faltam questões relacionadas ao jornalismo. As cenas de depredação exibidas não teriam acabado por emprestar aos black blocs uma aura de delinquência romântica, apesar do discurso de condenação ao vandalismo?

Sua conclusão é que sim. Na era do espetáculo, escreve, a "encenação performática de contestação" monopolizou as objetivas, em um processo que mais edulcorou do que desencorajou o quebra-quebra.

O ensaio passa ainda pelo divórcio entre os mundos do "Diário Oficial" e o das redes sociais, os atos do impeachment, a queda de Dilma e termina com uma "conclusão em gerúndio". Nada mais apropriado: a ação continua e muita coisa pode mudar.

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TRECHO

O black bloc, a exemplo do Papai Noel [de shopping], se reproduz por meio de uma cópia imagética, num processo industrial. Quando em ação, segue coreografia mais ou menos estabelecida, [que] faz a delícia dos fotógrafos adestrados [...] Ente da visualidade que se presta a significar o que contesta, foi desenhado pelo olhar domesticado pela indústria que o sintetiza, distribui e consome

A Forma Bruta Dos Protestos
Eugênio Bucci
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Extraído de "A Forma Bruta dos Protestos", de Eugênio Bucci

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A FORMA BRUTA DOS PROTESTOS

AUTOR Eugênio Bucci

EDITORA Companhia das Letras

QUANTO R$ 39,90 (176 págs.)


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