Folha de S. Paulo


Defesa de Paulo Bernardo diz que Delcídio mentiu em delação premiada

Alan Marques/Folhapress
 Delcídio do Amaral em reunião do Conselho de Ética do Senado, em Brasília (DF)
O ex-senador Delcídio do Amaral em reunião do Conselho de Ética do Senado, em Brasília (DF)

A defesa do ex-ministro Paulo Bernardo (PT) acusa o ex-senador Delcídio do Amaral de mentir na delação premiada que fez na Operação Custo Brasil, desmembramento da Operação Lava Jato que investiga desvios de mais de R$ 100 milhões em contratos de empréstimo consignado no âmbito do Ministério do Planejamento, pasta em que Bernardo foi titular. Delcídio também é acusado de fazer lobby e ter despesas pagas pela empresa.

As acusações constam de documento protocolado pelos advogados de Paulo Bernardo na 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo.

Na delação, homologada pelo Supremo Tribunal Federal, Delcídio disse que não conhecia pessoas da Consist, empresa pivô do esquema de corrupção, e acusou Bernardo de manter relações com a empresa desde a época em que o ex-ministro foi secretário da Fazenda do governo Zeca do PT (1999-2000), no Mato Grosso do Sul. A declaração de Delcídio foi usada pelo Ministério Público Federal como indício de que Bernardo sabia dos desvios da empresa.

A defesa de Bernardo, no entanto, anexou e-mails apreendidos na operação para mostrar que Delcídio havia mentido, pois não só teria mantido relação com pessoas da empresa, como teria defendido interesses da Consist em órgãos públicos. Ela nega também que Paulo Bernardo tenha qualquer participação na organização criminosa.

Uma troca de e-mails entre Pablo Kipersmit e Armando Castro, respectivamente dono e representante comercial da Consist, aponta que o ex-senador teria participado de reuniões na Petrobras com Castro. A Consist teria pago despesas de Delcídio, segundo os e-mails.
Numa das mensagens, Castro pede que seja reembolsado por gastos que teve com o senador.

"Basicamente foi hospedagem, aluguel por quatro dias um carro com motorista para atender o senador e despesas das passagens dele do Rio/Brasília /CGMS (Campo Grande) só de volta. Enquanto estivemos juntos foram R$ 8.200,00 mais ou menos. A diária do Sofitel foi de R$ 795 mais taxas, só aí dá pra estimar as despesas", diz no e-mail enviado a Kipersmit.

Delcídio, segundo a defesa, teria ajudado a Consist em contatos com funcionários da estatal. "O CIO (sigla de Chief Information Officer, o equivalente a gerente-executivo) de TI (tecnologia da informação) José Carlos da Fonseca nos recebeu muito bem. Presentes eu e o senador realmente tivemos uma reunião muito mais comercial e política", diz a mensagem. "Os principais pontos: considerou que a Consist é uma empresa grande com uma vasta experiência, que está pronta para fazer parte do grupo de fornecedores da Petrobras", diz o e-mail destacado pela defesa de Bernardo.

Em outro e-mail, o representante da Consist diz que Delcídio está fazendo a coordenação da reunião e "fazendo a introdução da Consist" (na Petrobras). A conclusão da defesa de Paulo Bernardo é a de que Delcídio "não só conhecia bem a empresa como a ajudou –e muito, inclusive, e ao que parece, fazendo lobby –em suas negociações com órgãos públicos, em especial a Petrobras, onde no passado já havia ocupado o cargo de diretor".

Segundo os advogados há nos e-mails trocados pelos dois "visitas organizadas pelo ex-senador à Eletrobras, a Furnas, a BR Distribuidora, Casa da Moeda e outras empresas públicas".

A defesa de Paulo Bernardo pede que o acordo de delação de Delcídio seja cancelado por conta das "falsas afirmações" e suas declarações sejam descartadas do processo. A delação premiada de Delcídio, segundo os advogados de Bernardo, foi usada pela Procuradoria como prova de que Paulo Bernardo gozava de poder político e estava a frente do esquema de desvio de verbas.

BANCOS

Os defensores do ex-ministro também questionaram o Ministério Público Federal sobre as razões de os procuradores não terem ouvido representantes da Associação Brasileira de Bancos (ABBC) e do Sindicato Nacional de Entidades Abertas de Previdência Complementar (SINAPP), responsáveis pela contratação da Consist.

"É, portanto, difícil entender porque razão nenhum representante dessas entidades, ABBS e Sinapp, foi ouvido no inquérito que buscou apurar as supostas irregularidades, já que eles estiveram, a todo momento, à frente das negociações com a Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento e também com as instituições financeiras".

As duas entidades assinaram o acordo de cooperação técnica que permitiu que a Consist fosse contratada. Elas contrataram a Consist para fornecer o programa de gerenciamento do empréstimo consignado. "Ora, são desconhecidos e, porque não dizer, curiosos os motivos que levaram o Ministério Público Federal a fatiar a denúncia com relação a essas pessoas (representantes da ABBC e Sinapp). É curioso também perceber que essas pessoas sequer foram intimadas a depor no inquérito".

A defesa classifica o caso como "desinteresse do Ministério Público Federal em buscar a verdade".

OUTRO LADO

A defesa de Delcídio do Amaral disse que ele continua colaborando de maneira irrestrita e sem reservas com a Justiça. A ABBC não quis se manifestar sobre o assunto.

O Ministério Público Federal enviou nota dizendo que "as apurações quanto a possíveis declarações falsas [...] devem ser feitas no âmbito do procedimento em que o acordo de colaboração do ex-senador foi firmado, garantindo-se ao colaborador o direito ao contraditório".

"A possibilidade de ele ter mentido não altera o curso das investigações e das ações judiciais na Operação Custo Brasil", afirma.

A Procuradoria diz ainda que "o inquérito ainda está em andamento, e os representantes do Sinapp e da ABBC poderão ser ouvidos". Segundo o órgão, a oitiva não ocorreu pois havia "urgência para o oferecimento das primeiras denúncias". "Alguns dos réus estavam presos preventivamente, o que demandava o ajuizamento célere do pedido de abertura de ação penal."

Veronica Sterman, advogada de Paulo Bernardo, não quis falar sobre as acusações, mas disse que "a defesa espera e confia na análise imparcial do Judiciário sobre as teses levantadas".


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